sábado, 21 de janeiro de 2012

O 1o. ano do resto da minha vida

Hoje faz exatamente um ano que ao invés de ir pra casa arrumar a mala pra minha viagem à NY no dia seguinte, fui junto com a Jessica até o São Luiz por conta de uma dor insuportável.

Entrei com dor no estômago, saí com câncer no fígado.
É...a vida muda em 5 minutos!

De lá pra cá, não só a minha vida, mas um pouco da vida de todas as pessoas que estão ao meu redor mudou. As preocupações, a rotina, as alegrias, os anseios....nada ficou igual.

O mais complicado de tudo, foi aprender a aceitar o que a doença fez com meu corpo, e a entender que minha vontade não se sobrepõe jamais a ele. Na realidade é como se ele tivesse vontade própria.
Às vezes, quando percebo que vou vomitar (e não tô a fim. Sim, porque tem vezes que não tô mais é nem aí mesmo), falo baixinho pra mim mesma: "Por favor, não!!!" , e invariavelmente saio correndo pra ajoelhar no vaso! É como se tivesse uma Lela morando lá dentro que comandasse tudo e que pode se dobrar a um pedido meu.

No começo da quimio tive flebite (inflamação das veias que recebem a medicação) e me vi obrigada a colocar um catéter (o tal do portocath) na subclave. Conclusão: hoje tenho um botão por baixo da pele que parece querer sair (tipo aqueles filmes de terror que seres de outro planeta entram nas pessoas e acabam querendo sair pela barriga delas!) É por esse catéter que a quimio é inserida. O desconforto nos primeiros meses foi absurdo, eu sentia como se um plástico ficasse se mexendo lá dentro, morria de medo que ele saísse do lugar.As pessoas me abraçavam e aquilo doía que era o cão! Hoje já estamos mais em paz um com o outro, mas sei que ele é pro resto da vida.

Perdi quase 7kg. Vomitei tanto na 1a. quimio que alguma coisa tinha que acontecer, já quando saí do hospital tinha perdido uns 2kg.
Pra quem sempre viveu de regime, isso era a glória (bright side: sempre tem um), minhas calças antigas estavam de volta á ativa. Podia escolher qual delas ia usar e ainda me dava ao luxo de puxá-las pra cima enquanto andava, pois estavam largas. Cheguei a apertar calças! Quase dei uma festa nesse dia, nunca tinha feito isso!

Vi a pele do meu rosto mudar, ela adquiriu um tom meio amarelado, principalmente quando fazia quimio.Minhas unhas enfraqueceram,e sempre foram duras como pedra. Meu cabelo caiu muito na 1a. quimio (a da cisplatina) na realidade ele "rareou" ( conforme disse a Dra F.....ela dançou! Hoje sou paciente do Dr. Guilherme Stelko Pereira, e estou nas nuvens!). Tradução: perdi volume pra caramba, cada vez que lavava e secava caia um bolo enorme de cabelo. Por falar nele, continuei tingindo. O médico autorizou, mas a cor nunca mais foi a mesma...engraçado que mesmo a Elena colocando a mesma quantidade de tinta, água oxigenada e afins, cada hora aparecia um tom diferente. Nada que beire o bizarro, mas de vez em quando fica mais preto, menos preto, mais acobreado ou menos acobreado.

Logo que consegui retomar a atividade física, voltando a caminhar 1h por dia no Ibirapuera, uma forte dor na lombar apareceu. Achei que tinha dado mal jeito, fiz acupuntura, mas um exame de ressonância magnética acusou metástase nos ossos. Eram 2 linfonodos pressionando a coluna. Cheguei ao ponto de não conseguir mais andar. Tive febre. Fui internada por 4 dias. Tomei tanta morfina, corticóide e remédio pra dor, que engordei 5 kg de um dia pro outro. Minha cara ficou parecendo a de um boto rosa. Um belo boto, mas....um boto!
Precisei andar com uma bengala, a perna já não tinha mais força e o medo de cair ficou maior do que eu gostaria. Não imaginava como poderia levantar se isso acontecesse...baixou uma insegurança grande demais pro meu gosto e de alguma maneira aquela internação mexeu com todo mundo aqui em casa. Até comigo.

Como tenho metástase no pulmão, vira e mexe aparece uma tosse estranha que só vai embora com corticóide. E cada vez que eu tusso, minha lombar dá sinal de vida.

As quimios foram mudando conforme o tumor ia crescendo, os efeitos colaterais também. Hoje estou na 3a. linha de tratamento e já me preparando pra logo logo fazer a ressonância magnética que vai me dizer se já vamos pra 4a. ou mantemos a 3a.

Desde o começo, lá no hospital, ouvi que câncer no fígado não faz o cabelo cair. Ele não faz mesmo, quem faz é a quimio. No meu caso, só na 1a. ele rareou (muito, assustadoramente, um horror absoluto), mas nada que me impedisse de continuar investindo no pobre coitado. Até o 15o.dia depois da 1a. aplicação dessa quimio. Por onde olhava via cabelo, ele começou a despencar tanto, que amarrei um lenço na cabeça pra não ver o que acontecia até a hora de ir na Elena tosar minha cabeça.
O mais difícil foi se ver esfarelar pela casa, passar a escova e ver tufos de cabelo nela. Raspar foi um alívio. Me libertou da dor, da agonia e da aflição. Nunca pensei que fosse ser assim, estava feliz por ter cabelo. Hoje faço como anunciei no começo se ele caísse. Amarro lenços, me maquio, coloco brincos chamativos e olho pras pessoas com a mesma cara de sempre. É preciso ver o que está por dentro...mas confesso, que quando estou sem lenço e olho no espelho, demoro a me reconhecer. E olha que pra minha sorte minha cabeça é redondinha, feita com compasso mesmo. Tive receio que fosse daquelas carecas cheia de calombos e ossos fora do lugar. Que nada ela é bem bonitinha. Mas daí a eu sair exibindo a pobre na rua...nanani nanocas!!

Foi um ano intenso, transformador,assustador e recompensador.

Foi-se a vida como eu a conhecia, vieram os amigos como eu jamais conheci.

Esse foi só o 1o. ano, não sei quantos virão ainda, mas espero que essa força que eu recebo de lá de cima e a força que eu recebo de quem está aqui embaixo comigo.... nunca mude. Porque se eu cheguei até aqui e bem, pode ter certeza de que foi única e exclusivamente por causa delas!

Como diz uma amiga americana: "Let´s see what tomorrow brings (vamos ver o que o amanhã traz)"
...... pelo que resta da minha vida!!

2 comentários:

  1. Vc é a mais brilhante de todas as estrelas!!!Te admiro de uma maneira indescritível...força sempre!!!Love U!!!
    Milhões de bjos no seu coração

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  2. Lela, querida !
    Primeiro que tudo desculpa meu português, você sabe e eu sei que não é bom, mas vou tentar escrever direitinho!! Não vai ser o português que vai me impedir te dizer que você é uma mulher admirável mesmo e muito corajosa, pois nem todos encaram a sua situação da forma que você está encarando. Eu imagino como deve estar sendo duro para você, pois acompanhei no ano passado uma pessoa muito querida nessa jornada, você fala da força que recebe de lá encima e dos que estão aqui embaixo e me desculpa, mas acho que você esqueceu falar ou por humildade não falou de outra força que se você não tivesse queridas, essas outras forças não tivessem ajudado muito, falo da sua força interior, dessa força que vem de dentro de você, essa é a maior força que você, que todos nós temos e querida você tem de mais!!!
    É essa força que nunca podemos perder, porque mesmo quando vamos embora, é ela a que ajuda a elevarmos!!
    Um Feliz Ano Novo

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