quinta-feira, 31 de maio de 2012

Qualquer dia é dia


Depois de tantos posts maravilhosos eu nem sei por onde começar a escrever, mas com tantos fãs não posso ser medrosa a ponto de deixar isso intervir no que será o tão esperado último depoimento de uma das jornadas mais inspiradoras, desde “O Clone”.

No dia dezenove de maio de 2012, o céu ganhou mais uma estrela, e essa com espaço VIP reservado: Lela Djehdian ( Constelação: Ophiuchus, coordenadas J2000, RA 16h55m28.36s DE-06°.19'33.08").

Desde a sexta feira santa minha mãe estava internada, e o que achávamos que seria uma breve passagem pelo hospital, causada inicialmente por uma trombose na veia cava, acabou virando uma bola de neve com uma série de pequenas complicações, que resultou em uma internação de 44 dias.

Dias de risadas, lágrimas, preocupações, visitas (que apareciam diariamente e faziam aquele quarto parecer um camarote de balada, só faltava a bebida- alcoólica por que a geladeira sempre estava cheia), angústias, olhares de todos os tipos, turbilhões de sentimentos...tudo que é possível e impossível imaginar.

Dormir no hospital era uma diversão, já que minha mãe garantia as risadas, e a companhia era a melhor de todas, mas uma vez que as luzes se apagavam, o medo e a insegurança davam o ar da graça, e faziam a noite parecer um dia, com praticamente o mesmo número de horas, e com a pequena diferença que o silêncio reinava pelos corredores, e as horas pareciam se arrastar lentamente, ao invés de passarem voando.

Para mim aquilo nunca foi problema, já que particularmente dormir sempre foi um tédio, mas eu só queria poder escolher algumas noites: COM ou SEM emoção...com certeza ficaria com a segunda opção.

Como vocês devem ter lido nos últimos posts, a Miss Armênia, era a mais popular do andar de Oncologia, inclusive, alguns médicos de alto escalão, da área de psicologia, que prefiro não mencionar o nome, faziam visitas praticamente todas manhãs para conversar com ela; afinal além de a adorarem (estava explicito no olhar deles, e apesar de ser anti-ético falar  tais palavras em voz alta, simples gestos já demonstravam aquilo) diziam que buscavam força nela, por que seu brilho era admirável.

De manhã era uma festa: as enfermeiras entravam no famoso quarto 2012, desejavam bom dia, verificavam se minha mãe estava viva, e comíamos nosso café da manhã, que sempre era especial. Nas últimas semanas em especial, quando eu  não dormia no hospital, fazia questão de passar na padaria cedinho (e por cedinho eu quero dizer o horário do pão, 7h00 no máximo) para levar suco de laranja natural, pão francês com mortadela, pãezinhos de queijo...tudo quentinho e com sabor de praia! Assim começávamos mais um dia de hospital...tomando um café da manhã delicioso...com direito a uma montanha russa de emoções.

Como a maioria de vocês sabe, as últimas semanas foram complicadas, apesar do bom humor de todo dia, afinal de contas ninguém é de aço. Gradativamente minha mãe piorava e como a Jessie disse no post do blog dela, vimos ela se apagando na frente dos nossos olhos, sem poder fazer nada que aliviasse sua dor/incomodo físico. Isso era angustiante.  Eu queria poder copiar e colar o texto da Jessica aqui, por que faço de cada palavra dela a minha, mas não quero ser acusada de plágio então vou tentar o meu máximo.

Nas poucas linhas que minha mãe conseguiu escrever para seu último post, que batizou de “Qualquer dia é dia” afirmou que o tempo no hospital estava sendo intenso, e que pessoas que ela não imaginava que viriam vê-la, vieram. Pessoas que só cumprimentaram ela superficialmente ao longo dos anos, como o nosso padre armênio Der Yesnig, que era fã da  vovó Tetê (reconhecida e respeitada na comunidade armênia por ter sido presidente da HOM -  Associação de Damas Beneficentes Brasil-Armênia), e sabia do câncer da minha mãe.

Disse  ter conversas que jamais esperava ter. Que fomos as melhores enfermeiras do mundo, e que cada vez mais precisava de nós. Como já havia sido previsto pelo médico há alguns meses atrás, ela não só havia perdido a mobilidade das pernas, mas também a força delas, não conseguindo nem ao menos sentar e se levantar sozinha o que era desesperador, para todas nós.

Em suas últimas linhas disse: “A Stephie tem se aproximado muito de mim, temos trocado confidencias, falado sobre o passado e o futuro, mas não é fácil, saber que a qualquer momento você pode zarpar...ficam tantas coisas não ditas, esquecidas.

Tias, amigas,  etc, se despedem como se eu fosse morrer de hoje para...”

Incrível como ela consegue ser poética até mesmo nessas horas não é?

Sei que a maioria de vocês deve estar pensando ou que eu tenho um humor negro ou que estou louca, pois esperavam que eu escrevesse esse post com tristeza. Não me importo.

O que passamos desde janeiro do ano passado até agora é um aprendizado que parece não ter fim. Cada dia é uma lição diferente, algumas mais difíceis, outras que tiramos de letra, mas cada dia é uma lição.

Durante os 44 dias de hospital, senti coisas fenomenais, aprendi com a minha mãe coisas que nunca tinha aprendido, acredito que por que eu não estava aberta para aprender aquilo tudo. Não estava preparada. E agradeço por que nesses dias, que eram os que eu mais precisava, consegui estar preparada para aprender tudo. Foi como se um holofote me iluminasse! Não sei bem explicar por que, nem como. Mas as coisas mudaram aqui dentro, e acredito que de todos nós, da noite pro dia.

Durante os 44 dias, fomos sendo treinadas e preparadas para tudo que estava acontecendo, e para o que acontece agora... por isso a serenidade, a calma, a força, os agradecimentos... tudo que nossa mãe sempre nos ensinou, estamos simplesmente praticando.

Se alguém me perguntar o que eu achei desta experiência, vou dizer que foi a experiência mais triste e linda da minha vida. Que me fortaleceu de uma forma inexplicável e hoje me tornei uma pessoa melhor graças a isso.Tudo era triste e lindo ao mesmo tempo. O amor que dava para sentir de longe no quarto de hospital, o carinho, a união, a compaixão....tudo. Tantas coisas que palavras não são suficientes para expressa-las.

Agradeço a forma que tudo ocorreu, por que afinal de contas Deus sabe o que faz, e isso se comprova cada dia mais. É só a gente saber abrir nosso coração e nossa cabeça para começar a enxergar, por que sinais não faltam.

Olhando no fundo dos olhos dela, disse que não tomaria aquele fim como sua morte, mas como uma passagem, que foi o que ela me ensinou a vida toda. O nosso corpo não passa de uma casca, e toda vez que ela olhava no espelho e se via, praticamente deformada...eu pensava naquilo. Ela não morreu, só realizou uma passagem, e por sinal de MUITA, MAS MUITA LUZ!

A minha mãe fez a passagem dela como um passarinho. Estava feliz e tranqüila nos últimos dias...como ela mesma dizia enquanto se empanturrava de sorvetes Häagen-Dazs...ela estava “TRANQS”...e arrancando gargalhadas de todos que estavam ao seu redor no quarto dava o sorriso mais fofo e tranquilizante de todo mundo.

Forte como um touro, ela demorou a entrar em sono profundo após a sedação... me deixando quebrar a cabeça sobre o que ainda devia ser feito para que ela fosse embora em paz.

Durante as duas últimas noites no hospital, dormi com ela, encolhida que nem uma recém nascida na poltrona, segurava a mão dela e não soltava durante todas as longas horas que se passavam. Tinha muito medo que algo acontecesse enquanto eu fechasse os olhos, e que por um deslize ou distração, eu não conseguisse sequer ajudá-la a tempo.

Depois que ela já havia entrado em sono profundo, e sabíamos que não acordaria mais, me despedi umas mil vezes... tinha medo que ela não fosse em paz (acho que isso era o que eu mais temia depois do que passamos; queria que soubesse que eu cuidaria de absolutamente tudo, inclusive e especialmente da Jé).

Na hora de sua partida, só estava eu, minha prima, meu tio Alex, minha tia Leila e Wania no quarto. Posso afirmar que foi praticamente uma cena de filme...emocionante e lindo.

Palavras não foram ditas, somente olhares foram trocados e lágrimas caíram discretamente pelo rosto de todos, que ao perceberem o que havia ocorrido ficaram tristes... mas tristes por cada um que estava presente naquele quarto, àqueles que perderiam a presença física de uma pessoa tão amada. Ao mesmo tempo acredito que todos sentiam uma sensação de alívio, de libertação grande, por ela. Por que como minha irmã mesma disse, o amor não é pra prender as pessoas, e sim para libertar.

Com o nosso sofrimento a gente aprende a lidar, o que nos importava era que aquela pessoa que todos nós amávamos tanto fosse embora bem, e em paz. Que depois de tanto sofrimento, finalmente fosse libertada e pudesse dar o tão esperado mergulho, pudesse voltar a pisar na areia, a tomar sol...tudo que merecia e amava.

Vi pessoas fortes como uma rocha chorarem, vi minha mãe consolá-las, juntar pessoas que jamais estariam no mesmo recinto, naquele quartinho...vi um quarto de hospital se transformar em uma sala de estar que na maioria de seus dias transbordava luz, alegria e esperança.

Aprendi a ver a vida de outra forma. Outro olhar nasceu, graças a minha mãe e seus ensinamentos; não me arrependo das minhas escolhas, das noites mal dormidas, do dinheiro gasto sem pensar, das semanas de aula em que faltei, das provas que perdi....de absolutamente nada!

Aliás agradeço a cada pequena coisa que aconteceu e acontece em cada dia da minha vida. Agora mais do que nunca as coisas simples da vida ficaram mais gostosas, e tudo tem um gosto novo e diferente a cada dia que passa!

Assim como a Jé, tenho o maior orgulho do mundo da minha mãe, e considero seu câncer o maior aprendizado que já vivemos,  tenho certeza de que para muita gente também. Ela pode não ter se curado do câncer, mas não deixou que a doença ofuscasse sua luz nem por segundo, e ainda por cima conseguiu iluminar a vida de todos que estavam ao seu redor.

Sou muito orgulhosa de ter tido a honra de nascer filha de um ser tão iluminado como ela, e espero poder passar esse aprendizado tão lindo às pessoas que passam pelo meu caminho.

Sua frase favorita foi comprovada- “The Love you take is equal to the Love you make”-  e seu nome viajou para inúmeros templos, igrejas, lugares distintos....desde Rio Grande do Sul, Aparecida, Fátima, Tibete....pela mão de pessoas amadas que queriam de alguma forma ajudar. E parece que suas preces foram escutadas por que afinal de contas, tenho certeza que o pedido de todos foi o mesmo: que a tão querida Lela Djehdian simplesmente ficasse bem!

Inclusive gostaria de agradecer em nome da minha irmã e da minha mãe, ao carinho e amor de todos, que fizeram essa frase acontecer! Palavras são muito pouco, nada no mundo pagaria o amor e apoio que vocês deram e continuam dando para nós! Nosso agradecimento é de coração, e esperamos que isso seja o suficiente! Obrigada de coração à todos vocês...e podem ter certeza de que tudo estaria sendo bem mais dificil sem esse amor todo...por que como uma pessoa especial escreveu uma vez e leu na missa de uma pessoa querida que perdeu “A leveza da alma é melhor que o compromisso com a matéria. O saldo final é sempre o amor.”

Os sinais de que minha mãe vem zelando por nós não podem ser ignorados... escutamos Beatles nos lugares mais estranhos possíveis, desde o supermercado, até restaurantes que a música não cabe muito ao ambiente, comemos em rodízios nos quais nos deparamos com “TSURUS” no teto, colocados do jeito mais mágico possível , (nada programado, pura coincidência), e ainda por cima que tem como sobremesa inclusa, sorvete Häagen-Dazs. Até mesmo ESTRELA CADENTE da varanda eu já vi! Tinha mais gente comigo então não, não foi uma alucinação! E detalhe para o fato de que estávamos em São Paulo (alguém já viu isso aqui?- difícil).

Bom, os sinais estão ai...basta abrirmos nossos corações e tentar libertar nossas mentes!

Espero que você tenha aprendido com o blog ...e lembre-se “SHIT HAPPENS”, MAS COM DRAMA TUDO CUSTA MAIS CARO, É O QUE TEMOS PRO MOMENTO, nunca esquecendo: LIVE WELL, LAUGH OFTEN, LOVE MUCH!!!
Stéphanie Djehdian





sábado, 5 de maio de 2012

Que dia é hoje?

Não tenho a menor idéia, alias não sei nem se SP tem transito ou parou de vez, sei pelos amigos que vêm me ver! Estou completamente isolada do mundo. Na realidade o meu mundo agora é aqui : hospital, enfermeiras, médicos, agulhas, sangue e picadas . Claro, que eu já sei o nome de todos os que entram no meu quarto, da faxineira aos médicos da equipe! Todos são super simpáticos e atenciosos. 
Houve uma muvuca absurda quando entrei aqui, logo no segundo dia estavam reunidos no meu quarto quase 15 pessoas, falando alto, rindo e óbvio, me divertindo! No começo eu não conseguia falar, estava difícil pra caramba, o inchaço da veia cava pressionava o estômago e os pulmões de tal maneira que falar me cansava. Sem o meu consentimento, a família discutiu o assunto e chegou ao veredito de que eu não poderia deixá-los virem me visitar. Foi uma confusão porque eu não concordava com isso de jeito nenhum! Acho que se alguém disponibiliza seu tempo pra vir a um hospital ver alguém, deve ser bem recebida , no mínimo !
Mas era pro meu bem, eu não conseguia falar nem respirar. Não estou acostumada com isso, gente preocupada comigo, me cercando de cuidado, me levando pra lá e pra cá, era eu quem devia fazer isso por alguém .
Como é difícil se acostumar a receber amor, seja lá de quem for...
E como num passo de mágica as pessoas começaram a fazer um rodízio natural : um entrava, 2 saíam, 2 saíam, um entrava! Foi mais gostoso porque eu podia conversar melhor com todos, e no final do dia o cansaço era suportável! Minhas amigas de várias tribos se confraternizavam com outras tribos, trocando idéias, telefones, restaurantes, aí chegavam mais dois e alguém acabava zarpando! Isso é muito legal, porque o círculo que vai se formando ao meu redor cresce e me engrandece !!!
Por fim, precisei fazer um "escalonamento de acompanhantes" para dormirem comigo à noite porque todas as amigas se colocaram à disposição, mas as 3 filhas são prioridade!
Todo esse processo está amadurecendo muito minhas filhas, as 3 ! Ou eu não conhecia esse lado delas antes.....vai saber!!!
Um dia desses eu estava muito mal, minhas pernas, pés e barriga estavam tão enormes que eu não conseguia levantar da cama sozinha (que aliás tem sido meu cantinho desde a minha entrada aqui) , essa missão é praticamente impossível!!) e nem escaras eu estou tendo.
Estavam ao meu lado a Sté e a Jé tentando ajudar a Michelina a sair da cama = missão impossível!!! Eu nunca imaginei que água pesasse tanto!! A Stéphie tentava me acalmar de um lado, a Jessie de outro quando o Dr. Guilherme entrou e nos viu. Caí no pranto dizendo que nem isso eu conseguia fazer mais, que eu tinha virado uma bola, que não agüentava mais, e a Sté com toda sua paciência (que ela não tem nunca no dia a dia) me falou : "calma mãe , pega no meu braço a gente te levanta"!.
Como pode aquele bebê de 3,250kg me carregar, entender as minhas limitações e cuidar de mim? Ela me banhou, me trocou, me penteou, me deu comida na boca, tudo com o maior amor do mundo!
Num desses dias entramos num assunto fatal .
A Stéphanie me confidenciou que as pessoas não a conhecem, que não sabem o que se passa dentro dela, e que apesar dela ser a Barbie praia, ela não vai abandonar a irmã e vai cuidar de tudo que ela tiver que cuidar. Que ela não quer que eu vá embora, mas também não quer me ver sofrer!
A Jessie me fala "eu te amo" 725 vezes por dia!! Sem contar com os 88 beijos que ela teima em me dar.
A Pamela se aninha como se fosse um passarinho, me beija e abraça. Uma noite em que ela dormiu aqui, se aninhou na minha cama, me abraçou como sempre, e enquanto me beijava, chorava feito um bebê. Não disse nada, não havia nada pra ser dito.
Meus amigos cada um a seu modo demonstram o carinho que sentem por mim. É uma delícia! Porque não fazemos isso com mais freqüência , sem vergonha, sem dia certo? Afinal que tipo de gente somos nós??
Os dias escoam pela nossa mão. Nunca sabemos onde vamos estar no final dele, nem o que estaremos fazendo.
Num filme bárbaro estrelado pelo Robbin Williams ele fala uma frase muito bacana do autor: " Seed the day" tradução "Aproveite o dia".
Será que é tão complicado assim?!