Depois de tantos posts maravilhosos eu nem
sei por onde começar a escrever, mas com tantos fãs não posso ser medrosa a
ponto de deixar isso intervir no que será o tão esperado último depoimento de
uma das jornadas mais inspiradoras, desde “O Clone”.
No dia dezenove de maio de 2012, o céu ganhou
mais uma estrela, e essa com espaço VIP reservado: Lela Djehdian ( Constelação:
Ophiuchus, coordenadas J2000, RA 16h55m28.36s DE-06°.19'33.08").
Desde a sexta feira santa minha
mãe estava internada, e o que achávamos que seria uma breve passagem pelo
hospital, causada inicialmente por uma trombose na veia cava, acabou virando
uma bola de neve com uma série de pequenas complicações, que resultou em uma
internação de 44 dias.
Dias de risadas, lágrimas,
preocupações, visitas (que apareciam diariamente e faziam aquele quarto parecer
um camarote de balada, só faltava a bebida- alcoólica por que a geladeira
sempre estava cheia), angústias, olhares de todos os tipos, turbilhões de
sentimentos...tudo que é possível e impossível imaginar.
Dormir no hospital era uma
diversão, já que minha mãe garantia as risadas, e a companhia era a melhor de
todas, mas uma vez que as luzes se apagavam, o medo e a insegurança davam o ar
da graça, e faziam a noite parecer um dia, com praticamente o mesmo número de
horas, e com a pequena diferença que o silêncio reinava pelos corredores, e as
horas pareciam se arrastar lentamente, ao invés de passarem voando.
Para mim aquilo nunca foi
problema, já que particularmente dormir sempre foi um tédio, mas eu só queria
poder escolher algumas noites: COM ou SEM emoção...com certeza ficaria com a
segunda opção.
Como vocês devem ter lido nos
últimos posts, a Miss Armênia, era a mais popular do andar de Oncologia,
inclusive, alguns médicos de alto escalão, da área de psicologia, que prefiro
não mencionar o nome, faziam visitas praticamente todas manhãs para conversar
com ela; afinal além de a adorarem (estava explicito no olhar deles, e apesar
de ser anti-ético falar tais palavras em
voz alta, simples gestos já demonstravam aquilo) diziam que buscavam força
nela, por que seu brilho era admirável.
De manhã era uma festa: as
enfermeiras entravam no famoso quarto 2012, desejavam bom dia, verificavam se
minha mãe estava viva, e comíamos nosso café da manhã, que sempre era especial.
Nas últimas semanas em especial, quando eu não dormia no hospital, fazia questão de
passar na padaria cedinho (e por cedinho eu quero dizer o horário do pão, 7h00
no máximo) para levar suco de laranja natural, pão francês com mortadela, pãezinhos
de queijo...tudo quentinho e com sabor de praia! Assim começávamos mais um dia
de hospital...tomando um café da manhã delicioso...com direito a uma montanha
russa de emoções.
Como a maioria de vocês sabe, as últimas
semanas foram complicadas, apesar do bom humor de todo dia, afinal de contas
ninguém é de aço. Gradativamente minha mãe piorava e como a Jessie disse no
post do blog dela, vimos ela se apagando na frente dos nossos olhos, sem poder
fazer nada que aliviasse sua dor/incomodo físico. Isso era angustiante. Eu queria poder copiar e colar o texto da
Jessica aqui, por que faço de cada palavra dela a minha, mas não quero ser
acusada de plágio então vou tentar o meu máximo.
Nas poucas linhas que minha mãe conseguiu
escrever para seu último post, que batizou de “Qualquer dia é dia” afirmou que
o tempo no hospital estava sendo intenso, e que pessoas que ela não imaginava
que viriam vê-la, vieram. Pessoas que só cumprimentaram ela superficialmente ao
longo dos anos, como o nosso padre armênio Der Yesnig, que era fã da vovó Tetê (reconhecida e respeitada na
comunidade armênia por ter sido presidente da HOM - Associação de Damas
Beneficentes Brasil-Armênia), e sabia do câncer da minha mãe.
Disse
ter conversas que jamais esperava ter. Que fomos as melhores enfermeiras
do mundo, e que cada vez mais precisava de nós. Como já havia sido previsto
pelo médico há alguns meses atrás, ela não só havia perdido a mobilidade das
pernas, mas também a força delas, não conseguindo nem ao menos sentar e se levantar
sozinha o que era desesperador, para todas nós.
Em suas últimas linhas disse: “A Stephie tem
se aproximado muito de mim, temos trocado confidencias, falado sobre o passado
e o futuro, mas não é fácil, saber que a qualquer momento você pode
zarpar...ficam tantas coisas não ditas, esquecidas.
Tias, amigas, etc, se despedem como se eu fosse morrer de
hoje para...”
Incrível como ela consegue ser poética até
mesmo nessas horas não é?
Sei que a maioria de vocês deve estar
pensando ou que eu tenho um humor negro ou que estou louca, pois esperavam que
eu escrevesse esse post com tristeza. Não me importo.
O que passamos desde janeiro do ano passado
até agora é um aprendizado que parece não ter fim. Cada dia é uma lição
diferente, algumas mais difíceis, outras que tiramos de letra, mas cada dia é
uma lição.
Durante os 44 dias de hospital, senti coisas
fenomenais, aprendi com a minha mãe coisas que nunca tinha aprendido, acredito
que por que eu não estava aberta para aprender aquilo tudo. Não estava
preparada. E agradeço por que nesses dias, que eram os que eu mais precisava,
consegui estar preparada para aprender tudo. Foi como se um holofote me
iluminasse! Não sei bem explicar por que, nem como. Mas as coisas mudaram aqui
dentro, e acredito que de todos nós, da noite pro dia.
Durante os 44 dias, fomos sendo treinadas e
preparadas para tudo que estava acontecendo, e para o que acontece agora... por
isso a serenidade, a calma, a força, os agradecimentos... tudo que nossa mãe
sempre nos ensinou, estamos simplesmente praticando.
Se alguém me perguntar o que eu achei desta
experiência, vou dizer que foi a experiência mais triste e linda da minha vida.
Que me fortaleceu de uma forma inexplicável e hoje me tornei uma pessoa melhor
graças a isso.Tudo era triste e lindo ao mesmo tempo. O amor que dava para
sentir de longe no quarto de hospital, o carinho, a união, a compaixão....tudo.
Tantas coisas que palavras não são suficientes para expressa-las.
Agradeço a forma que tudo ocorreu, por que
afinal de contas Deus sabe o que faz, e isso se comprova cada dia mais. É só a
gente saber abrir nosso coração e nossa cabeça para começar a enxergar, por que
sinais não faltam.
Olhando no fundo dos olhos dela, disse que
não tomaria aquele fim como sua morte, mas como uma passagem, que foi o que ela
me ensinou a vida toda. O nosso corpo não passa de uma casca, e toda vez que
ela olhava no espelho e se via, praticamente deformada...eu pensava naquilo.
Ela não morreu, só realizou uma passagem, e por sinal de MUITA, MAS MUITA LUZ!
A minha mãe fez a passagem dela como um passarinho. Estava feliz e tranqüila nos últimos
dias...como ela mesma dizia enquanto se empanturrava de sorvetes Häagen-Dazs...ela estava “TRANQS”...e
arrancando gargalhadas de todos que estavam ao seu redor no quarto dava o
sorriso mais fofo e tranquilizante de todo mundo.
Forte
como um touro, ela demorou a entrar em sono profundo após a sedação... me deixando
quebrar a cabeça sobre o que ainda devia ser feito para que ela fosse embora em
paz.
Durante
as duas últimas noites no hospital, dormi com ela, encolhida que nem uma recém
nascida na poltrona, segurava a mão dela e não soltava durante todas as longas
horas que se passavam. Tinha muito medo que algo acontecesse enquanto eu
fechasse os olhos, e que por um deslize ou distração, eu não conseguisse sequer
ajudá-la a tempo.
Depois
que ela já havia entrado em sono profundo, e sabíamos que não acordaria mais,
me despedi umas mil vezes... tinha medo que ela não fosse em paz (acho que isso
era o que eu mais temia depois do que passamos; queria que soubesse que eu
cuidaria de absolutamente tudo, inclusive e especialmente da Jé).
Na hora
de sua partida, só estava eu, minha prima, meu tio Alex, minha tia Leila e
Wania no quarto. Posso afirmar que foi praticamente uma cena de
filme...emocionante e lindo.
Palavras
não foram ditas, somente olhares foram trocados e lágrimas caíram discretamente
pelo rosto de todos, que ao perceberem o que havia ocorrido ficaram tristes...
mas tristes por cada um que estava presente naquele quarto, àqueles que
perderiam a presença física de uma pessoa tão amada. Ao mesmo tempo acredito
que todos sentiam uma sensação de alívio, de libertação grande, por ela. Por
que como minha irmã mesma disse, o amor não é pra prender as pessoas, e sim para libertar.
Com
o nosso sofrimento a gente aprende a lidar, o que nos importava era que aquela
pessoa que todos nós amávamos tanto fosse embora bem, e em paz. Que depois de
tanto sofrimento, finalmente fosse libertada e pudesse dar o tão esperado
mergulho, pudesse voltar a pisar na areia, a tomar sol...tudo que merecia e
amava.
Vi
pessoas fortes como uma rocha chorarem, vi minha mãe consolá-las, juntar
pessoas que jamais estariam no mesmo recinto, naquele quartinho...vi um quarto
de hospital se transformar em uma sala de estar que na maioria de seus dias
transbordava luz, alegria e esperança.
Aprendi
a ver a vida de outra forma. Outro olhar nasceu, graças a minha mãe e seus
ensinamentos; não me arrependo das minhas escolhas, das noites mal dormidas, do
dinheiro gasto sem pensar, das semanas de aula em que faltei, das provas que
perdi....de absolutamente nada!
Aliás
agradeço a cada pequena coisa que aconteceu e acontece em cada dia da minha
vida. Agora mais do que nunca as coisas simples da vida ficaram mais gostosas, e
tudo tem um gosto novo e diferente a cada dia que passa!
Assim
como a Jé, tenho o maior orgulho do mundo da minha mãe, e considero seu câncer
o maior aprendizado que já vivemos,
tenho certeza de que para muita gente também. Ela pode não ter se curado
do câncer, mas não deixou que a doença ofuscasse sua luz nem por segundo, e
ainda por cima conseguiu iluminar a vida de todos que estavam ao seu redor.
Sou
muito orgulhosa de ter tido a honra de nascer filha de um ser tão iluminado
como ela, e espero poder passar esse aprendizado tão lindo às pessoas que passam
pelo meu caminho.
Sua
frase favorita foi comprovada- “The Love you take is equal to the Love you make”-
e seu nome viajou para inúmeros templos,
igrejas, lugares distintos....desde Rio Grande do Sul, Aparecida, Fátima,
Tibete....pela mão de pessoas amadas que queriam de alguma forma ajudar. E
parece que suas preces foram escutadas por que afinal de contas, tenho certeza
que o pedido de todos foi o mesmo: que a tão querida Lela Djehdian simplesmente
ficasse bem!
Inclusive
gostaria de agradecer em nome da minha irmã e da minha mãe, ao carinho e amor
de todos, que fizeram essa frase acontecer! Palavras são muito pouco, nada no
mundo pagaria o amor e apoio que vocês deram e continuam dando para nós! Nosso
agradecimento é de coração, e esperamos que isso seja o suficiente! Obrigada de
coração à todos vocês...e podem ter certeza de que tudo estaria sendo bem mais
dificil sem esse amor todo...por que como uma pessoa especial escreveu uma vez
e leu na missa de uma pessoa querida que perdeu “A
leveza da alma é melhor que o compromisso com a matéria. O saldo final é sempre
o amor.”
Os
sinais de que minha mãe vem zelando por nós não podem ser ignorados... escutamos
Beatles nos lugares mais estranhos
possíveis, desde o supermercado, até restaurantes que a música não cabe muito ao
ambiente, comemos em rodízios nos quais nos deparamos com “TSURUS” no teto, colocados do jeito mais mágico possível , (nada
programado, pura coincidência), e ainda por cima que tem como sobremesa
inclusa, sorvete Häagen-Dazs. Até
mesmo ESTRELA CADENTE da varanda eu já vi! Tinha mais gente comigo então não,
não foi uma alucinação! E detalhe para o fato de que estávamos em São Paulo
(alguém já viu isso aqui?- difícil).
Bom,
os sinais estão ai...basta abrirmos nossos corações e tentar libertar nossas
mentes!
Espero
que você tenha aprendido com o blog ...e lembre-se “SHIT HAPPENS”, MAS COM
DRAMA TUDO CUSTA MAIS CARO, É O QUE TEMOS PRO MOMENTO, nunca esquecendo: LIVE
WELL, LAUGH OFTEN, LOVE MUCH!!!
Stéphanie Djehdian