quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Uma invasão bem vinda

Uma das coisas mais gostosas de estar escrevendo um blog é saber o que quem lê pensa e sente. Muitos comentários que são deixados aqui e no facebook, me dão cada vez mais a certeza de que de alguma maneira, estou fazendo a diferença na vida das pessoas. E é isso que eu acho importante, acho que isso pode justificar uma vida.
Uma das pessoas que acompanharam todo esse processo muito de perto, foi a Paula.No meu último post, falei por alto como a doença mexeu com as pessoas, mas não quis entrar no detalhe, senão o post ia virar um livro. Ela me questionou sobre isso por ter sido uma das pessoas que mais sentiu o impacto disso tudo. Assim, ela escreveu um relato que eu acho, vale a pena postar:


"Pedi permissão para a Lelinha para contar e mostrar um pouco o que impactou sua doença em mim neste último ano, e tenho certeza de que quem se deixou influenciar por esta pessoa doce e forte, parou no mínimo para rever um pouco os seus conceitos....

Hoje tenho 42 anos e no dia 21 de janeiro de 2011 estava pedindo para o médico do São Luis liberar a Lela para irmos à NY,e isso não aconteceu, depois fiquei em NY esperando e rezando para ela pegar o avião para nos encontrar, mas isso também não deu... E no domingo tive a noticia de que ela estava doente. Na mesma hora, eu chorei e liguei para uma das pessoas que eu mais confiava, que eu sabia que poderia cuidar da Lela da mesma forma ou melhor que eu... E foi exatamente isso que aconteceu!!!

Acho que vale fazer um resuminho bem breve de como eu me tornei amiga da Lela... Fui chefe dela por 2 anos, e no início só brigávamos, eu não entendia sua lógica e ela não entendia a minha.. Quando nos acertamos, nos tornamos grandes amigas, independente da relação profissional... Hoje sou até muito apegada a ela, algo que só faço com quem eu realmente amo..

Através do nosso período de trabalho, aprendi um pouco como funcionava a relação entre as mulheres armênias e toda a sua cultura, percebi que a palavra poderia estar em 2º plano e que um olhar valia muito mais que um discurso. Aprendi que atrás daquele olhar , havia uma mulher forte que utilizava mais o coração do que a razão, e que para não agredir o coração alheio se calava e guardava para si toda a sua razão e inteligência. Vale ressaltar que muitas vezes, era muito mal interpretada por este tipo de atitude.

Acredito que esta mulher maravilhosa hoje está tendo um espaço através deste BLOG para mostrar um pouco mais quem é, e o que veio fazer neste mundo... Para mim , a Leloca veio Transformar a vida das pessoas. E é com muito prazer que vou enumerar as pequenas e profundas mudanças que eu percebo:

1.Comecei a fazer uma perguntinha básica na vida: O que realmente importa na vida? Quando fazemos esta pergunta em um momento de escolha, as respostas se tornam tão verdadeiras que viraram a minha vida de ponta cabeça, pois nem todos estão querendo ou estão preparados para escolher a partir disso;

2.Vejo a própria Lelinha, se colocando com mais fluidez e deixando todos enxergarem esta alma brilhante que tem;

3.Percebe o conceito verdadeiro de família vir a tona em várias pessoas e em vários núcleos;

4.As pessoas se mostraram como elas realmente são.. Algumas se revelaram amigas e maduras para lidar com esta nova realidade e outras simplesmente se fecharam em seus mundos e não conseguiram dar um abraço ou fazer uma ligação para dar apoio a esta pessoa forte;

5.Nossa, como é lindo ver o amor das suas filhas, a Jessie e a Sté são nota 1000. Maduras, serenas e acima de tudo extremamente companheiras... E aqui vale também incluir sua outra filha a Pamela que não conheço, mas de quem só ouço coisas boas...

6.Conheço pelo menos umas 10 pessoas que sentem o prazer de ler este BLOg, simplesmente para ter o contato com a FORCA, VIDA e AMOR que a Lelinha passa...

Desculpa invadir o BLOG alheio, mas tinha dizer que mesmo esta doença ser uma droga,a forma como a Leloca esta passando está reverberando muitas coisas boas nas pessoas e que estamos aqui com ela nesta luta e abertos para as transformações, sejam elas físicas ou emocionais.

Muito obrigada por me dar esta oportunidade de crescer!!!"

A oportunidade de crescer e olhar a vida por um outro prisma requer coragem e força.
Rever conceitos exige desapego.
Conviver com a doença demanda fé.
A escolha é de cada um, todos tem seu tempo e sua hora!

Essa é a minha!
E a sua, já passou...?

sábado, 21 de janeiro de 2012

O 1o. ano do resto da minha vida

Hoje faz exatamente um ano que ao invés de ir pra casa arrumar a mala pra minha viagem à NY no dia seguinte, fui junto com a Jessica até o São Luiz por conta de uma dor insuportável.

Entrei com dor no estômago, saí com câncer no fígado.
É...a vida muda em 5 minutos!

De lá pra cá, não só a minha vida, mas um pouco da vida de todas as pessoas que estão ao meu redor mudou. As preocupações, a rotina, as alegrias, os anseios....nada ficou igual.

O mais complicado de tudo, foi aprender a aceitar o que a doença fez com meu corpo, e a entender que minha vontade não se sobrepõe jamais a ele. Na realidade é como se ele tivesse vontade própria.
Às vezes, quando percebo que vou vomitar (e não tô a fim. Sim, porque tem vezes que não tô mais é nem aí mesmo), falo baixinho pra mim mesma: "Por favor, não!!!" , e invariavelmente saio correndo pra ajoelhar no vaso! É como se tivesse uma Lela morando lá dentro que comandasse tudo e que pode se dobrar a um pedido meu.

No começo da quimio tive flebite (inflamação das veias que recebem a medicação) e me vi obrigada a colocar um catéter (o tal do portocath) na subclave. Conclusão: hoje tenho um botão por baixo da pele que parece querer sair (tipo aqueles filmes de terror que seres de outro planeta entram nas pessoas e acabam querendo sair pela barriga delas!) É por esse catéter que a quimio é inserida. O desconforto nos primeiros meses foi absurdo, eu sentia como se um plástico ficasse se mexendo lá dentro, morria de medo que ele saísse do lugar.As pessoas me abraçavam e aquilo doía que era o cão! Hoje já estamos mais em paz um com o outro, mas sei que ele é pro resto da vida.

Perdi quase 7kg. Vomitei tanto na 1a. quimio que alguma coisa tinha que acontecer, já quando saí do hospital tinha perdido uns 2kg.
Pra quem sempre viveu de regime, isso era a glória (bright side: sempre tem um), minhas calças antigas estavam de volta á ativa. Podia escolher qual delas ia usar e ainda me dava ao luxo de puxá-las pra cima enquanto andava, pois estavam largas. Cheguei a apertar calças! Quase dei uma festa nesse dia, nunca tinha feito isso!

Vi a pele do meu rosto mudar, ela adquiriu um tom meio amarelado, principalmente quando fazia quimio.Minhas unhas enfraqueceram,e sempre foram duras como pedra. Meu cabelo caiu muito na 1a. quimio (a da cisplatina) na realidade ele "rareou" ( conforme disse a Dra F.....ela dançou! Hoje sou paciente do Dr. Guilherme Stelko Pereira, e estou nas nuvens!). Tradução: perdi volume pra caramba, cada vez que lavava e secava caia um bolo enorme de cabelo. Por falar nele, continuei tingindo. O médico autorizou, mas a cor nunca mais foi a mesma...engraçado que mesmo a Elena colocando a mesma quantidade de tinta, água oxigenada e afins, cada hora aparecia um tom diferente. Nada que beire o bizarro, mas de vez em quando fica mais preto, menos preto, mais acobreado ou menos acobreado.

Logo que consegui retomar a atividade física, voltando a caminhar 1h por dia no Ibirapuera, uma forte dor na lombar apareceu. Achei que tinha dado mal jeito, fiz acupuntura, mas um exame de ressonância magnética acusou metástase nos ossos. Eram 2 linfonodos pressionando a coluna. Cheguei ao ponto de não conseguir mais andar. Tive febre. Fui internada por 4 dias. Tomei tanta morfina, corticóide e remédio pra dor, que engordei 5 kg de um dia pro outro. Minha cara ficou parecendo a de um boto rosa. Um belo boto, mas....um boto!
Precisei andar com uma bengala, a perna já não tinha mais força e o medo de cair ficou maior do que eu gostaria. Não imaginava como poderia levantar se isso acontecesse...baixou uma insegurança grande demais pro meu gosto e de alguma maneira aquela internação mexeu com todo mundo aqui em casa. Até comigo.

Como tenho metástase no pulmão, vira e mexe aparece uma tosse estranha que só vai embora com corticóide. E cada vez que eu tusso, minha lombar dá sinal de vida.

As quimios foram mudando conforme o tumor ia crescendo, os efeitos colaterais também. Hoje estou na 3a. linha de tratamento e já me preparando pra logo logo fazer a ressonância magnética que vai me dizer se já vamos pra 4a. ou mantemos a 3a.

Desde o começo, lá no hospital, ouvi que câncer no fígado não faz o cabelo cair. Ele não faz mesmo, quem faz é a quimio. No meu caso, só na 1a. ele rareou (muito, assustadoramente, um horror absoluto), mas nada que me impedisse de continuar investindo no pobre coitado. Até o 15o.dia depois da 1a. aplicação dessa quimio. Por onde olhava via cabelo, ele começou a despencar tanto, que amarrei um lenço na cabeça pra não ver o que acontecia até a hora de ir na Elena tosar minha cabeça.
O mais difícil foi se ver esfarelar pela casa, passar a escova e ver tufos de cabelo nela. Raspar foi um alívio. Me libertou da dor, da agonia e da aflição. Nunca pensei que fosse ser assim, estava feliz por ter cabelo. Hoje faço como anunciei no começo se ele caísse. Amarro lenços, me maquio, coloco brincos chamativos e olho pras pessoas com a mesma cara de sempre. É preciso ver o que está por dentro...mas confesso, que quando estou sem lenço e olho no espelho, demoro a me reconhecer. E olha que pra minha sorte minha cabeça é redondinha, feita com compasso mesmo. Tive receio que fosse daquelas carecas cheia de calombos e ossos fora do lugar. Que nada ela é bem bonitinha. Mas daí a eu sair exibindo a pobre na rua...nanani nanocas!!

Foi um ano intenso, transformador,assustador e recompensador.

Foi-se a vida como eu a conhecia, vieram os amigos como eu jamais conheci.

Esse foi só o 1o. ano, não sei quantos virão ainda, mas espero que essa força que eu recebo de lá de cima e a força que eu recebo de quem está aqui embaixo comigo.... nunca mude. Porque se eu cheguei até aqui e bem, pode ter certeza de que foi única e exclusivamente por causa delas!

Como diz uma amiga americana: "Let´s see what tomorrow brings (vamos ver o que o amanhã traz)"
...... pelo que resta da minha vida!!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Surpresaaaa !!

Sempre disse que surpresa é uma faca de 2 legumes: um pepino de um lado e um nabo do outro! É um risco alto demais pra se correr, pode dar extremamente errado. Ou certo....vai saber!!

No começo dessa semana a Sofia ligou me questionando sobre o que eu iria fazer no dia do meu aniversário. Na realidade, nunca fui muito de comemorar, trauma de infância mesmo, afinal quem estaria em SP em pleno janeiro?! Mas ao longo dos anos, por conta das meninas acabei comemorando, meu ex-marido adorava fazer festas em Caraguá (que era onde estávamos nas férias).

Como não sabia o que ia fazer, ela logo se encarregou de dizer: " Ah, vamos comemorar, escolha o lugar e chame quem vc quiser!". Digamos assim que se existe uma pessoa no mundo com quem não é tão fácil discutir, esse alguém é a Sofia, ela ouve, elabora o que vc fala, mas falar não pra ela e pra um assunto leve desses, não valeria a pena!

Topei! Ia chamar minhas filhas, sobrinhos, Mané(namorado da Pamela), Lis (amiga da Sté), a Silvia e a Regina (que tb são amigas dela). Uma pizza, que pra variar é sempre bem vinda e ainda perto de casa. Ela topou na hora e veio com a idéia de me pegar, e antes da pizzaria irmos à casa dela pra que ela a mostrassse pras nossas amigas,já que ela se mudou em dezembro.
O combinado era que estivéssemos na casa dela às 20hs, só que pras crianças tb falei pra estarem na pizzaria às 20hs..tudo meio confuso, mas o máximo que podia acontecer, era eles irem bebendo enquanto não chegássemos! Todos sobreviveriam!!. Achei aquilo meio estranho, fiz as contas, íamos comer a tal da pizza depois das 22hs, e eu sei que a Sofia não é muito notívaga, mas....no final, tudo se ajeita! Não ia esquentar a cabeça com isso!

A Stéphie inventou de pegar a Lis e foi na frente, eu e a Jessie ficamos esperando a Sofia chegar. Ela estava toda arrumada e veio com uma conversa de que teve uma reunião no escritório pra qual ela queria estar bonita, engoli numa boa. Fazia todo sentido!
Quando estávamos entrando na garagem, ela falou que se esqueceu de ligar pro marido que ia viajar, passou a mão no celular e ligou. Atendeu uma mulher, e ela super descolada como sempre disse: " Liguei errado".
Achei estranho, afinal ele deve estar em speed dial, como dá pra se enganar? Mas a Sofia estava manobrando a jamanta dela, segurando o celular e tentando falar, tinha muita coisa acontecendo naquele metro quadrado. Podia acontecer.

E lá foi ela, conversando e se dirigindo ao elevador. O esquema de segurança do prédio é de 1a., e ela me disse enquanto subíamos que tinha esquecido de pegar a chave do apartamento e que precisava passar na portaria pra pegá-la. Quase surtei (em pensamento, claro: "Mas ela é louca, como assim deixar a chave de casa na portaria?! O marido dela é obcecado por segurança!?" Não entendi lhufas, mas é a Sofia....vai falar o que?!).

Ao saírmos do elevador ela foi pro lado direito, e eu sabia que a portaria era pro lado esquerdo, pensei:"Vai ver ela quer mostrar pra Jessie a sala de musculação!", mesmo porque havia todo o tempo do mundo pra isso!!

Ledo engano: ela abriu uma porta, e lá estavam todas as pessoas que fazem parte da minha vida cantando parabéns com as luzes apagadas, e um bolo que estava quase pegando fogo!

Na hora em que ela abriu a porta pensei:
"Meu Deus a gente entrou no lugar errado,fecha essa porta rápido!!".

Não dava pra enxergar muito, até os olhos se acostumarem com a escuridão, levou uns segundinhos. Mas ela estava encostada na porta cantando parabéns!! Só entendi que era uma festa surpresa quando vi meu irmão! Aí comecei a passar os olhos nos integrantes da 1a. fila e vi o pessoal do clube, minhas tias, rostos conhecidos e queridos!!
Fui em direção ao bolo antes que precisássemos chamar os bombeiros, pois as velinhas estavam no toco!!
As luzes se acenderam e eu fiquei ali, paralisada com aquela surpresa deliciosa,envolvida no abraço e no carinho dos meus familiares, amigos, queridos!!

Não desconfiei de nada, absolutamente nada. Soube que a Sofia programou tudo com as meninas e a Silvia: local, o que iam servir, decoração, flores no centro da mesa, bexigas, lista de convidados etc. Um dia de manhã as meninas inventaram que iam com a Pamela não sei onde, ver não sei o que . Engoli, as 3 costumam sair juntas.
A Sofia dizia à todos que se não fossem chegar na hora marcada que esperassem "na esquina" pra que eu não desconfiasse de nada!!!. Depois daquela chuva que Deus mandou na 5af. todos terem conseguido chegar no horário marcado foi um milagre. Eu me emociono só de pensar.....

Estavam todas as minhas tribos: família, clube, faculdade, DM e Cia de Talentos, amigos das filhas; tudo regado a muito beirute,sorvete, prosecco e alegria! Só faltou a Tia Rosa e sua trupe, minha irmã (que está viajando),umas poucas amigas, e o pessoal do salão. À tarde estive com elas pra fazer pé e mão, e teve bolinho, prosecco e a mesma alegria e amor que recebo sempre do pessoal do salão da Elena!!

Comemorei meu aniversário de 48 anos com o maior presente que um ser humano pode receber: um banho de amor.

E eu estava precisando mais do que nunca...

No dia anterior tinha raspado o cabelo, seria a minha 1a. aparição em público. As organizadoras do evento tiveram receio, principalmente por saber da minha teoria da surpresa!! . Mas foi tão melhor assim, já vi todos e todos me viram de lenço e careca! Não havia espaço pro espanto que isso causaria, era tudo só alegria, festa e amor!

Durante a minha adolescência, inspirada pela Tia Elza, li todos os livros do filósofo alemão Hermann Hesse, e em Gertrud, o que eu mais gostei, ele diz:

"Considero a vida humana como uma noite profunda e triste, que não se suportaria se num ponto ou noutro, não rutilassem repentinos clarões, de uma luminosidade tão maravilhosa e consoladora, que seus segundos podem apagar e justificar anos de escuridão".

E esse foi um dos melhores clarões da minha vida.....


quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A ditadura da beleza

Era uma vez um monge budista que estava ensinando a seu discípulo algumas coisas da vida. Um belo dia, ele abriu uma sala e lá estava uma mesa com uma linda rosa vermelha dentro de um vaso. Ele olhou firmemente nos olhos do discípulo e disse: "Lá está um problema, pense em como fará para eliminá-lo". O pobre do menino foi até a rosa, olhou, olhou e pensou por vários dias nesse grande desafio que seu Mestre lhe impôs. Ao sétimo dia, cansado e sem ter encontrado a solução, pediu ao Mestre para mostrá-lo a solução. Seu Mestre foi até a rosa, tirou uma adaga da cintura e a decepou num único golpe.


Hoje é meu aniversário, faço 48 anos. É engraçado porque eu nunca me imaginei com essa idade. Quando a gente tem 25,30 e vê uma pessoa com uns 50, já a considera velha. Mas não é isso que acontece, a vida nessa idade é mais leve, solta e sem preconceitos. Vc sabe o que te faz bem,o que não faz, e principalmente o que não quer.

Desses 48 anos, 38 com certeza, eu vivi correndo atrás de um corpo que eu não tinha, de um cabelo que não era meu, e de uma aparência inatingível pro meu tipo físico.

Minha Mãe sempre achou que a gente não podia ser cheinha, nem eu nem minha irmã. Regime eu já fazia quando saí da barriga dela, ela não pôde me amamentar, fui criada à base de Leite Ninho. Fritura, doce, guloseimas e afins nunca estiveram presentes na nossa casa.

Eu me lembro de que na casa da vovó Elizabeth, na estante onde ficava a TV tinha uma portinha fechada à chave.
O vovô Haik (pronuncia-se Raik, no Oriente a letra H tem som de R...pausa para cultura geral) guardava essa chave no bolso como se ela fosse acionar uma bomba atômica que destruiria toda a humanidade. A porta desse armário só era aberta, quando a vovó Elizabeth achava que tinhamos nos comportado bem, comido todo o kibe, charutinho e dolmá que ela nos servia; aí podíamos escolher qual e quantos chocolates quiséssemos. Eram caixas de Alpino, Kri, Sonho de Valsa, e chicletes Ping Pong de tutti fruti e de hortelã (um sucesso pra época, era o que de melhor havia em termos de chicletes, fazia uma bola gigantesca!!). Mas claro, de preferência quando minha Mãe não estivesse presente, senão, ela avisava quantos chocolates cada uma podia comer. Obviamente eles eram rapidament devorados!

E foi nessa ditadura que eu cresci, não comia os hambúrgueres, cachorros quentes, refrigerantes que todos os meus amigos comiam, única e exclusivamente porque engordava.

Fazer excercício era mais do que uma obrigação, joguei volley, fiz jazz, ballet (chorava na aula de tanto que a odiava!!),uma ginástica alemã que deixou minha perna tão dura que minha Mãe pediu pra diminuir as aulas, natação, musculação, aeróbica,corrida, bicicleta, enfim tudo o que aparecia eu fazia!.

Nunca dei valor ao meu corpo como ele era. Nunca consegui enxergá-lo como deveria.
Minha ossatura é grande, somado aos meus 1.65 sempre foi muito difícil pesar menos de 60kg. É engraçado como um único número causa um efeito avassalador numa mulher como se por acaso ele estivesse grudado na sua testa! E tem outra, se vc mentir seu peso pra alguém, por acaso vai aparecer uma balança na sua frent pra vc se pesar?! Eu tentava feito louca emagrecer, queria pesar 58kg porque aí sim eu ia ser maravilhosa. Só que somado à minha ossatura e à minha altura, meu metabolismo sempre foi lento e só acelerava quando eu tomava remédio de regime. Hoje em dia ele não é tão bem visto, mas na época era a salvação da maioria da mulherada.

Pra piorar, sou descendente de armênio; ou seja, minha bunda já está comprometida a ser grande, ela não diminui com facilidade!! Não há ginástica que a diminua. Peito, bunda e coxas são o forte de qualquer armênia que se preze!!

Mas eu queria sempre estar mais magra, mais bonita, mais perfeita. Não pra ser a menina mais bonita entre os garotos, mas pra deixar minha Mãe feliz e meu Pai satisfeito, eles eram muito rígidos quanto a isso.
Uma vez eu estava gordinha, devia ter uns 15 anos, ele me disse no auge do seu nervosismo e no meio de uma briga que eu ia estourar que nem a Dona Redonda (personagem interpretado pela Wilsa Carla na novela das 22hs da TV Globo há muitos anos atrás. Ela subia ao céu como se fosse um balão e estourava lá em cima....uma cena no mínimo bizarra), foi a coisa mais cruel que meu Pai me disse e ficaou gravado. POr isso mesmo peço sempre a Deus que protega minhas filhas de mim, pois qualquer coisa que uma Mãe fale a sua filha fica marcado pra sempre!

Graças a Deus, conforme a gente vai crescendo algumas coisas vão perdendo o sentido e a importância.

Gosto de me arrumar, adoro uma maquiagem, fazer as unhas, estar com uma roupa bonitinha. Sou discreta no modo de me vestir, como boa capricorniana sou meio monocromática. Bege é uma das cores que mais tem no meu armário. Mas sou mulher, e como toda mulher gosto de estar bonita.

Só que agora aprendi que meu corpo é como deve ser, que um hambúrguer de vez em quando não mata apesar de não ser a melhor opção, de que um doce quando se tem vontade faz bem pro coração (e pro fígado). Deixei de viver tanta coisa por causa disso, e tomo muito cuidado pra não magoar ninguém com comentários desnecessários. Todos temos espelho e sabemos quando não estamos bem.

A aparência é só uma capa, que pode ter 1001 utilidades, mas que nunca pode ser a única coisa que você tem, pois num instante ela pode se perder de você.

Nunca fui de julgar ninguém, e nunca gostei que as pessoas olhassem pra mim e me definissem pelo dinheiro que meu Pai tinha, pelo carro que eu dirigia, ou pelo estilo de vida que eu levava. Isso não é certo, cada um é como é, e o que importa é exatamente o que a gente não vê....o que vai dentro de cada um.

Esse fim de semana, meu cabelo começou a cair. Desculpe, a despencar da minha cabeça fica melhor. Chegou uma hora em que eu resolvi não penteá-lo mais pois a quantidade de cabelo que saia na escova me apavorava. Percebi que não tinha mais jeito. Fui avisada que essa quimio podia rarear o cabelo e que na última semana eu sentiria mais esse efeito colateral.

Na 2af. depois de toda dor do fim de semana causada pelo Zometa (remédio pros ossos que dá dor nos ossos (?!!)) e de todo o monte de cabelo que caiu, liguei pra Elena, minha cabelereira oficial. Ela ligou pra Silvia e essa me ligou do Guarujá pedindo pra que eu não fizesse nada e a esperasse voltar, ela chegaria na 3af. Eu chorava tanto por me sentir esfarelar no chão do banheiro, no travesseiro, nas minhas blusas...pensava naquela imagem do paciente de câncer morrendo e não conseguia me incluir nisso, sofri o que podia e o que não devia.

Assim, me decidi. Ontem fui ao salão da Elena acompanhada por uma comitiva (Sté, Pammy, Lis e claro, a Silvia) e passamos máquina 0. Obviamente a Elena pedia pra Cidinha cabeleireira começar pela 4, depois a 2 aí eu não aguentei e falei:" Vai continuar caindo, passa a 0".

Hoje, sou uma pessoa careca com um arsenal de lenços comprados pelas minhas filhas.
Nem quando nasci fui careca, armênios tem cabelo, pêlos e afins de sobra.

É estranho...a molduraque é o cabelo se foi, pra dar espaço ao meu rosto, que até que é bonitinho apesar das rugas e das marcas que carrego ao longo dos meus 48 anos, e das quais tenho muito orgulho porque contam minha história de vida. Me sinto mais leve, mais aliviada e mais amparada ainda!

E mais certa de que se o preço da minha liberdade e do meu sossego é não ter cabelo, com uma maquininha, não com uma adaga, a gente rapidamente resolve o problema.

Parabéns pra mim e boa sorte pra vc......espero que vc se veja e se aceite como vc é,sem preconceitos, sem dogmas e sem medo. Porque pra ser feliz, não precisa ser perfeito!!