quinta-feira, 28 de abril de 2011

Escolhas

Costumo dizer pras meninas escolherem sempre muito bem, pois é das nossas escolhas que depende nossa felicidade.
Acredito muito nisso, acho que uma escolha mal feita pode acarretar em sofrimento desnecessário e mágoas dispensáveis. E eu economizo muuuito no quesito sofrimento!

Quando voltei da praia, daquela vez em que fui sozinha,tive uma conversa muito especial com uma amiga querida que me disse que se ela estivesse no meu lugar, pegaria as meninas e conheceria o mundo, deixando o tratamento pra depois....se fosse o caso.
Como eu estava fresca com meus medos e inseguranças, disse a ela que a idéia (se eu tivesse a $ pra isso) não era de todo má, mas que eu me preocupava com o exemplo que daria a elas, caso não tentasse ficar boa antes de qualquer coisa. Quem sou eu pra desistir da vida, se dei a vida à elas duas?? Quem sou eu pra definir se esse tratamento vai dar certo ou não, se quem sempre sabe a resposta pra uma coisa dessas é tão maior do que eu?? Foi uma das melhores conversas da minha vida!

Tem uma série na HBO, The big "C", que fala sobre esse tipo de escolha. A protagonista, uma atriz que eu adoro mas não consigo decorar o nome, descobre que está com câncer, e resolve não contar à ninguém sobre ele. Alega que vai ter que fazer um tratamento que vai acabar com ela, e vai ter um monte de gente se preocupando e cuidando dela, e ela não quer isso....?!!

Até entendo esse monte de gente se preocupando e cuidando da gente, mas numa hora como essas, em que a sua vida fica tão fragilizada e nenhum super herói tem o poder de se sustentar sozinho, como ser tão autosuficiente e dizer: No thanks....me deixa quieta??

Se não fosse o carinho e o cuidado das pessoas que me cercam, eu não segurava essa onda. E believe me....eu já passei por poucas e boas, quer ver??

Vou falar um pouco de mim, já que sou o centro desse blog (rsss).

Nasci em 12/01/1964, a 2a. filha de um casal apaixonado e muuuuito jovem, armênia e com um destino (supostamente) traçado pela minha descedência.Fomos educadas, eu e minha irmã (tenho um irmão menor... - meeeenos Alex, depois dos 40, menor é só um termo coloquial!! 4 anos mais novo que eu)pro casamento. Uma coisa meio Jade do Clone! Aprendemos a dançar as músicas árabes, a cozinhar, a ser educadinhas e a se comportar, principalmente quando havia um "bom partido" por perto. Meu pai trabalhava muito, era o filho mais velho de 5 irmãos, de pais imigrantes e que tinha que "sustentar a família" só tinha a ajuda de seu pai e de seu irmão Antrô, que depois de alguns anos seguiu carreira solo.

Por mais que meu Pai tivesse uma cabeça aberta, só o tempo e a vida pra fazer com que ela efetivamente abrisse! Foram discussões intermináveis sobre casar com o 1o. armênio bom partido que aparecesse, sobre ser esposa e mãe profissionais e sobre deixar a "escolinha", vulgo faculdade de Psicologia, pra fazer corte e costura!! Sério, todo mês que eu pedia ao meu Pai o $ pra pagar a mensalidade, ele me olhava com aquela carinha fofa e me dizia: "Filhinha, deixa a escolinha pra lá, vai fazer um curso de corte e costura!!" . Na linha do "ninguém dá o que não tem", o que eu podia esperar dele e da minha mãe, tão jovens e tão armeniamente programados!!

Pra desespero dele, fiz 3 anos de Psicologia,parei e fui fazer Fotografia e francês.Na sequência conheci o Marcelo (Alexandre)na casa da Silvia, pai das minhas filhas e meu marido por 19 anos corridos!!Além de italiano, ele não era o partido ideal. Morava com simplicidade, trabalhava o dia todo e estudava à noite. Uma família simples, mas muito trabalhadora, honesta e amável, pai contador e mãe professora. Achei que meu Pai ia surtar com o namoro, eu já tinha 21 anos, minha irmã já tinha casado com um partido excelente e eu aqui solteirona e sem a menor vontade de casar.... Acabamos casando com o patrocínio do meu Pai, que aprendeu a amar o Marcelo como a um filho. O amor entre eles era irritante, um sempre cobria o outro pra mim!!! Por sorte, ele me incentivou a voltar à faculdade e acabei fazendo Jornalismo no ano em que me casei!

Nos últimos 8 anos, minha vida virou do avesso. Meu Pai faleceu, eu e o Marcelo nos separamos, comecei a trabalhar com meu irmão (que assumiu a empresa do meu Pai depois da sua partida), mas a empresa não sobreviveu.

Costumo dizer que fui dormir rica, casada e madame e acordei "pobre", separada e CLT!

Quando me vi sozinha, com 2 filhas e um apto pra sustentar, resolvi que não ia pesar nas costas do meu irmão (que já tinha passado por muito sofrimento) ou do meu ex-marido ( que tinha mais era que cuidar das filhas).Pra alguma coisa eu devia servir, afinal!! Era formada e falava 3 línguas!

Mandei CV pra várias lojas e acabei contratada por uma grande rede de joalherias multinacional, a H.Stern. A loja era a do Iguatemi, um luxo só, as vendedoras dessa loja eram escolhidas a dedo, eu que me sentisse honrada!! Essa experiência me deu bode de shopping e muito jogo de cintura! A gente se ferrava e se divertia muito!! Bons tempos aqueles!

Uma amiga de faculdade, Sofia, descobriu que eu estava lá, apareceu e me ofereceu pra trabalhar na área comercial da consultoria dela. A Sofia era uma garota muito diferente do resto do grupo da faculdade, foi muitas vezes mal compreendida (eu a defendia,porque odeio preconceito e abomino maus tratos),não é à toa que hoje é uma das profissionais mais influentes em RH no Brasil. Fui entrevistada por 9 pessoas, sabendo que se uma única não me aprovasse,estaria fora!
Topei o desafio, não ia trabalhar de finais de semana e além de tudo teria a possibilidade de crescer, me desenvolver e aprender...muito. Pra mim, RH era folha de pagamento!! Olha que ridículo!!

Estou no Grupo DMRH há 5 anos, sou outra pessoa. Mais forte, atualizada,preparada, maior do que eu jamais fui....ou seria,se minha vida tivesse sido pautada somente no casamento, na criação das minhas filhas, no destino que me foi proposto no berço.

Não me arrependo de nenhuma das minhas escolhas, todas me fizeram uma mulher melhor. Fui feliz solteira, fui muuuito feliz casada (se não o fosse, não perderia 19 anos!!) e hoje me considero uma mulher feliz, realizada e em paz.

O que será do futuro, só vou saber vivendo!
Um dia após o outro!!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Pra morrer basta estar vivo!

Meu Pai sempre dizia essa frase quando alguém morria ele não via uma explicação plausível pra aquela morte, ele simplificava da melhor maneira possível. E ele tinha razão,essa é a única certeza da vida, e a única coisa pra qual ninguém está totalmente preparado.

Há umas 2 semanas atrás, ia acontecer um churrasco na casa do Cesana com o pessoal da Mooca, amigos de infância. Somos em uns 15, só 3 mulheres, e dos quais 2 estão mal de saúde, eu e o Toninho. Ele é um cara animado, engraçadíssimo, que já teve 2x câncer e que hoje está fazendo 3x por semana hemodiálise. Assim que soube disso, mandei um e-mail pra ele me solidarizando e contando do meu câncer; adoro o Toninho, é bom ter amigos que te conhecem desde pequena, vc se sente em casa qdo está com eles.

No dia do churras,um sábado, a Cris me liga logo cedo já que eu não posso dirigir e ela ia me levar. Achei que íamos combinar tudo, quando ela disse: "Bella, vc está sabendo?!" Esse tom funesto está diretamente ligado a...alguém morreu! Como na comissão de frente só tem 2 pessoas, e eu não morri, deduzi que o Toninho tinha nos deixado. Mas falei com ele essa semana! Estávamos pelo facebook combinando o churras e o cara morre?!!
Aí a Cris me conta que tinha sido o Rubinho, um aneurisma perto do coração. Ele estava na padaria com os amigos, caiu desmaiado, foi levado ao hospital e morreu. Deixou mulher e 2 filhos adolescentes.

Mudança de planos, íamos pro velório.

Cada um que chegava, inconformado pela situação se juntava pra tentar dividir o espanto. Aí o Toninho veio e disse que achou que eu tivesse morrido (nada mais justo).Chegamos à conclusão de que ele empurrou o Rubinho!! Fizemos piada disso durante o velório e avisamos a todos pra se cuidarem, pois alguém, que não nós, seria o próximo!!

Humor negro....sem dúvida, mas o que fazer quando a morte te pega desprevenido? Como aliviar o choque?! Quem disse que rir é falta de respeito sempre?!

Esse final de semana estava voltando da praia com a minha mãe e quase sofremos um acidente. Estávamos na Carvalho Pinto, chovia muuuito, ela pegou uma poça de água e foi parar na valeta entre as 2 pistas, o carro rodou enquanto ela gritava desesperada, e finalmente parou a 50m de um córrego.Olhei pra ela preocupada, minha mãe é cardíaca achei que teria um treco. Ela estava assustada, mas bem, disquei o 190 e de repente surge do nada um policial (não acreditei na eficiência, tinha acabado de discar!). Veio com uma jaqueta da polícia e a identificação na mão pra que ficássemos tranquilas. Tirou o carro do buraco ( estava intacto) onde estávamos e o colocou na pista. Ele caiu do céu, agradeci em todas as línguas que falo, a ele e aos que o acompanhavam. Mais ninguém parou.
Voltei dirigindo, com um braço e meio mesmo, não podia deixar minha mãe, no estado em que estava depois desse susto assumir a direção.Mais uma vez, Deus me mostrou que mesmo no pior momento, ele me põe no colo!!

Ela me disse: "Filha, a gente preocupada com seu câncer, já imaginou se acontece alguma coisa pior???"

Já...porque shit happens e pra morrer basta estar vivo!!

Mas vamos combinar (se vc me permite,mais um pouco de humor negro) ia ser hilário todo mundo esperando que eu morresse de câncer e um acidente de carro me levasse!!!

Por essa eu não esperava

Voltei! Depois de um afastamento involuntário provocado por uma flebite horrorosa, tô de volta!
O que é flebite? É uma inflamação na veia que faz com que ela trave a região lesionada, no meu caso o braço direito(sim, porque seria o esquerdo se eu sou destra e já que é pra se ferrar que seja comme il faut?!), de uma tal maneira que nem levantar sua xícara de café vc consegue. O braço inchou (eram 3 braços, 2 inutilizáveis) e não estica direito até hoje ( parece que a veia está encapada com uma placa de ferro), a veia escureceu de onde foi aplicada a medicação quimioterápica até depois do cotovelo, a região interna do cotovelo estava tão sensível que eu nem ao menos conseguia apoiar o braço no sofá. Daí pra não poder dirigir, lavar louça e digitar foi um pulo. Foram 4 semanas de muita dor,compressa, pomada, das quais 2 com antibiótico. Até febre tive por causa dessa flebite, e claro, num sábado à noite, quando a Dra. F. estava mais do que inalcansável, e meu amigo Ricky foi imediatamente acionado!

Mas porque eu tive isso? Ah...por essa vc não esperava, e cá entre nós nem eu. Lembra que eu estava esperando o vômito, a náusea, o enjôo? Something came up: flebite! Não que meu interesse seja lá muito grande pelo assunto, confesso, mas conforme vou atravessando esse processo, vou tb aprendendo novidades sobre o câncer, como o fato de que a medicação é tão forte que vai agredindo os tecidos em volta, a calibragem da veia vai diminuindo com o tempo até que vc "perca a veia". Assim, a indicação pra solução do problema é a colocação de um catéter de longa permanência, o portocath.

Porque ninguém me veio com essa idéia desde o começo? No f..king idea! Das 4 aplicaçoes de quimio que eu fiz, 2 me deram flebite. Aí sucumbi, falei com o Ricky, com o Dr. Sabbaga e eles recomendaram colocar o portocath.
Isso foi uma novela à parte, pois o procedimento é cirúrgico, deve ser feito em hospital, e o plano de saúde cobre desde que seja feito por um médico do convênio. Claro que o Ricky me indicou um amigo, Dr. Schiavon, super atencioso e tranquilo, pra fazer o procedimento. Mas eu precisava da autorização do convênio pra internação e pra aquisição do catéter, e em tempo de fazer o procedimento dia 12/04, um dia antes da próxima aplicação. Foi um correria, mandamos os relatórios médicos pro convênio na 6af e ficamos aguardando o fim de semana pra ver o que acontecia.

Na 5af. a noite morrendo de medo que aquilo tudo não desse certo e meu braço esquerdo ficasse como o direito (eu ia virar um robô, sabe aquele do Perdidos no Espaço com os 2 braços semiesticados: Perigo, Will Robinson, perigo!!) falei com o Ricky e chorei. Sim, agora eu sou uma pessoa que chora! E tô mandando bem no assunto, choro por besteira, uma maravilha! O que eu mais abominava era chorar, odeio: aquele olho ardendo, caindo água, nariz escorrendo, cara de bunda, faço hoje com um pé nas costas!! Ele não acreditou: "MV, vc tá chorando??" me disse indignado, e eu : "Tô... buaáááá". Ele mandou que eu me controlasse que não era pra ficar chorando por besteira,que ia dar tudo certo e pra eu me recompor que ele me ligava depois.Foi aí que entrou o advogado, já preparado pra intervir caso necessário.

Deu tudo certo, estou com a tal da bagaça, o portocath que.... não queira saber como é... mas eu conto, vamos dividir as mazelas, afinal pra que é que vc está aqui, né??
Imagine um aparelho que tem uma mangueira de 2km de extensão que passa pela jugular, entra na veia do coração e tem uma espécie de botão de plástico do tamanho de uma moeda de 4 reais (o dia que inventarem uma, será desse tamanho, 4 vezes da de 1 real) que fica dentro da pele, abaixo da subclave, e esse é o tanto de informação que eu sei, too much information só vai me deixar mais aflita!! É nesse botão que aquela agulha, neta de uma agulha de tricô utilizada para a aplicação de quimio, entra com a medicação. É preciso ir à clínica para lavar a veia uma vez por mês quando não se estiver fazendo a quimio,e ele pode ficar lá por anos....aaanos!! Got it?? Simplesmente abominável...vou usar gola olímpica até morrer!!! Ah e está do lado direito, se vc me encontrar e quiser ver sem ser notado já aviso que fica acima do seio direito, mas não é um seiozinho filho, é o botão do catéter!

Soube que os médicos de convênio tem uma cota pra colocação de catéter, como aliás as far as I know, tem pra tudo, hoje na Folha de S.P. tem uma matéria dizendo que eles são premiados por pedirem poucos exames aos seus pacientes! Pasme!!
Seja lá como for, conforme vários estudos e pesquisas, daqui a alguns anos o câncer será a doença de maior mortalidade no mundo.
Peço a Deus que a medicina avance pra impedir que as pessoas sofram além do necessário, e que os médicos tragam alternativas pra que a qualidade de vida dos pacientes seja melhor...é o mínimo que se pode esperar depois de saber que sua vida vai virar do avesso por causa de um câncer.