quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A falta da cabeleira do Zezé

Pra toda mulher que faz quimio a 1a. grande questão é como vai ficar meu cabelo. Sim, porque careca é coisa de homem, a gente costuma olhar para aquelas carecas esquisitas que se formam perto dos 40 anos e fica imaginando como aquele homem vai ficar ainda mais velho. Aliás se for namorado ou marido a gente começa a fazer força pra achar a careca bonitinha!
Sim, bonitinha nele, mas nunca não na gente que fique claro.

Mulher nasceu pra ter cabelo pra poder alimentar a indústria das tinturas, dos sprays, das mousses, das fivelas, das escovas....a mulherada praticamente carrega essas indústrias nas costas! Por mais metrosexual que o cara seja, ele não vai usar fivela ou fazer hidratação no cabelo.....convenhamos!!
O cabelo preocupa muito mais uma mulher do que a quantidade de celulite que ela tem, já que ele está bem no alto da sua cabeça! A celulite ela esconde o ano inteiro com roupa!
O cabelo da mulher é fonte de sedução, de trejeitos, de maneirismos incontrolados....amarrar, levar a franja de um lado pro outro, prender com uma piranha e deixar cair despropositadamente fios aqui e ali....que mulher quer perder esse aliado??
Não é à toa que o sansão quebrou o maior pau com a Dalila quando ela resolveu cortar o cabelo dele!!

Desde que o câncer foi diagnosticado e eu soube que a medicação não deixaria ele cair, fiquei muito aliviada. Primeiro pq eu não estava com a menor vontade de lidar com aquilo naquele momento. Entrar no mundo quimioterápico é uma viagem incerta, tensa e assustadora. Um trem fantasma mesmo!! Cabelo não era um tópico, mas toda vez que mudava a medicação eu queria saber se cairia ou não; ou seja, no fundo eu me preocupava sim. A careca é a materialização da doença, ela agride o outro talvez porque ele não tem forças pra lidar com a sua doença e tem que cuidar da sua postura diante do enfermo. Estar careca e ser mulher é praticamente a tradução de estar com câncer.

Foi na 3a. linha de tratamento que ele começou a cair. Eram tufos que ficavam espalhados por onde eu passava e que me dava a sensação de estar morrendo aos poucos. Não pensei 2 vezes e resolvi tosar: Máquina Zero, Elena!! bradei à minha cabeleireira. Não tinha tempo, disposição e paciência pra lidar com esse pepino!

Problema resolvido....cria-se outro: e agora, o que eu faço com essa careca aí?!Como eu vou sair na rua?!É como ter uma bunda no meio da sua cabeça!!

Acabou que algumas mulheres vieram me perguntar sobre a sensação da careca. Resolvi escrever esse post porque nesse domingo, minha amiga Regina levantou essa questão. Essa e mais outras tantas que dão a maior curiosidade na mulher.

O cabelo é a moldura do rosto, todo mundo quando compra um quadro porque acha ele lindo, mas depois que faz a moldura passa a achá-lo magnífico. Até hoje quando acordo e me olho no espelho da porta do banheiro além de não me reconhecer logo de cara, tenho a sensação de estar entrando na câmara de gás de um campo de concentração, porque naquele momento em que vc acabou de sair da cama e não se arrumou ainda, a cara é sim a de um ser indefeso, e do meu ponto de vista eles retratavam essa condição, eles eram como nós vítimas de uma crueldade. E nós, somos como eles, uma multidão de indefesos vítimas de uma crueldade!

É claro que depois de 1 mês eu já estou mais habituada, ganhei um container de lenços de todas as cores, tamanhos e tecidos, praticamente todo mundo já me viu e maquiada e com brincos, fica uma cara diferente mas interessante!
O lenço esquenta, como dizem que a peruca também esquenta. Fui várias vezes convidada pelas minhas amigas a fazer uma peruca ou mais de uma pra poder variar. Não dá....não acho tão simples assim mudar de aparência, carregar um cabelo que sabe lá Deus de quem foi e como ficou sem ele....blagh nem pensar!! Me dá meus lenços já!!!

O 1o. banho foi a coisa mais ridícula do mundo. Quando cheguei em casa da minha tosa, fui tomar banho. Eu sou o tipo de mulher que odeia cabelo molhado (na praia inclusive). Tenho aflição! Assim sendo sempre usei toca de banho pra não molhar minha juba. Não sabia se colocava a touca oou não (eu sei.....ridículo, pode me xingar!!). Achei que devia, mas a estática me impediu. De repente a pouca quantidade de cabelos que sobrou se arreganhou e eu fiquei louca pra tirar aquilo da minha cabeça.
Bom, já que não ia ter touca precisava decidir se lavava com shampoo ou com sabão. Fiquei horas naquele dilema fora do box, claro! A água correndo e eu lá (os defensores da Água no planeta me perdoem....eu tb sou, mas dessa vez estava em momento muito delicado)..lavar ou não lavar eis a questão!
Lava sua covarde!!! Urrava minha voz interior!
Então tá...entrei no box, deixei a água escorrer no meu corpo e ploft! Me meti embaixo do chuveiro de cabeça!
Dava pra ouvir aquela musiquinha que tocava quando o Senna ganhava: tãtãtã...tãtãtã!!

Socorro!! Quase gritei, porque aquela água descendo pelas minhas entranhas encefálicas estava me dilacerando! Que sensação horrorosa, estranha....... e ao mesmo tempo, libertadora!

Hora de lavar: me decidi pelo shampoo, afinal ele foi feito pro cabelo, o sabonete não! Peguei o que sempre uso, abri e virei na palma da minha mão com toda delicadeza .(Coloquei tanto shampoo, mas tanto shampoo que dava pra lavar a cabeça de todos os integrantes da Unidos do Tucuruvi!!!
Dane-se, não dava nem pra devolver no pote, tive que jogar fora....(sorry ativistas, eu tb sou, mas foram as circunstâncias que me impediram de ser politicamente correta!). Agora vamos esfregar na careca!

HEEEEEELPPPPPPPPP!!

Que horror!! Aquela cabeça pelada, parecia uma bunda de bebê com pêlos de vikings!!! E aquilo era meeeeu!! A minha nova moldura!!No topo da minha cabeça!!! No alto do meu intelecto....

Deus dai-me serenidade, porque se o Senhor me der forças eu mato um!!

Calma Lela, pensava comigo, com o tempo você se acostuma! Você tem um grau de adaptabilidade muito alto, lembra?! Respiiiira fuuuundo!!!

Lavei morrendo de aflição, mas lavei. É difícil explicar, mas a sensação é a mesma de quando você fica com gesso muito tempo e tira. O contato da pele com a água é absolutamente estranho!!

Quando o banho acabou veio outro dilema: Secar!!

Lela não seja tão buuuurra criatura, vai usar secador de cabelo pra que se não tem cabelo!! - pensei logo antes que o mico ficasse eternizado na minha memória!

Claro que podemos passar a toalha, que nem homem faz quando sai do banho!Como não pensei nisso antes?!
Ah tá, claro...passar a toalha. Mas a que tomei banho ou a que uso só pro cabelo?!

Jesus, Mary aaand Joseph, vai logo criatura, acaba com isso de uma vez!!!

Que sensação hor-ro-ro-sa!! É como colocar a mão naquele brinquedinho de criança que é uma caixa de ferrinhos, como se fossem alfinetes e que quando a gente tira fica a marca da mão! É, a mesma coisa que uma cama de faquir!!Gostoso né???

Meu banho devia ser um momento refrescante, relaxante e esperado!!
Agora virou meu momento na masmorra!
Uma tortura humilhante!!!

Claro que depois de 1 mês o cabelo deu uma crescidinha (assim: branco e grisalho em cima, preto embaixo) e até a coitada da pobre da minha careca foi se acostumando com a água batendo na sua superfície e com a Jessica e a Pamela vindo pra cima de mim querendo beijar a minha carequinha: "Deixa eu dar um beijinho nessa carequinha, deixa?!!"

Sai pra lá garota, tá me achando com cara de que?? Zezé?!!Eu hein!!!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Excercendo a fé

Por ser armênia ortodoxa, fui batizada e crismada no mesmo momento, alguns meses depois do meu nascimento. Os rituais da igreja Armênia Ortodoxa são muito especiais, diferentes mesmo da igreja católica. São lindos, cheios de encanto, incenso, coroas, véus, cantos! Vale a pena ver uma celebração na Igreja São Jorge (Av. Santos Dumont, 55) seja missa, batisado ou até mesmo um casamento.

Minha Mãe não era o tipo de mulher que ficava fazendo novena,rezando e pedindo a Deus por tudo e por todos. Não quando eu era pequena, depois que cresci a coisa mudou um pouco, ela se mostrava mais ligada à Deus e à N.Sra Das Graças.

Já a Mãe do meu pai era devota de vários santos (as far as I remember), mas N. Sra da Aparecida e São Francisco de Assis eram imbatíveis. Eu me lembro que quando eu tinha 18 anos, fomos todos até Aparecida do Norte num ônibus alugado pelo meu avô porque ela tinha feito uma promessa (que jamais soubemos do que se tratava) e a família ia pagar. Leia-se umas 25 pessoas pelo menos.
No momento de sua morte, ela juntou filhos e netos, noras e genros, e pediu que fosse lida a oração de S.Francisco por um de nós. A Tia Rita tentou ler, mas começou a chorar no meio, peguei o papelzinho da mão dela e acabei de ler; foi um momento muito especial pra todos nós, e pra ela ainda mais, que trazia essa questão da fé consigo e tentava espalhar pra todos os que amava! Ela morreu nessa noite "como um passarinho", conforme relatou o tio Paulo, seu 3o. filho.

Desde os 17, trago a medalha milagrosa de N.Sra das Graças comigo e virei ao longo dos anos não só defensora da causa, mas cabo eleitoral dela! Não só divulgo suas bençãos, como também distribuo medalhinha, oração, novena, kit completo.Fazer o que...sou fã, mas nunca fui beata!!! Que fique bem claro!

Criei as meninas pra que tivessem sempre , entendessem o mundo espiritual, a vida aqui no planeta, e tivessem acima de tudo a liberdade pra depois de absorver esses "ensinamentos" pudessem escolher sua religião e sua fé. Elas sabem rezar do Credo a Salve Rainha!Poderiam ficar à vontade pra escolher qualquer uma!

A Stéphanie, minha filha Barbie praia, como não podia deixar de ser ama Iemanjá! Já a Jessica, Barbie Festa ama N.Sra de Guadalupe (que aliás tem uma história liiinda), vai ver que é porque é meio fashion com aquele manto impecável!!

O que me interessa é que elas acreditem, que tenham fé e que saibam que por pior que seja a situação alguém lá em cima tá de olho a gente, e principalmente, cuidando de nós! Mesmo que de vez em quando dadas as circunstâncias, elas não acreditem muito!

Acho que ter o tal grão de mostarda ao qual Jesus se referiu ("Basta que se tenha fé do tamanho de um grão de mostarda pra que ele possa crescer e se multiplicar!") passa sim pelo que a gente aprende em casa, mas é muito mais o que a vida nos traz que o solidifica ou o destrói.

Tive minha época espírita, e não só li o Evangelho do Allan Kardec pra mim, como lia pras meninas toda noite na hora de dormir. Claro que elas eram pequeninas e isso só poderia acontecer naquele momento, pois se tivessem mais de 5 anos, só dava pra ser à força, amarrada aos pés da cama com uma corda presa à boca eo Capitão Nascimento na porta do quarto. Elas curtiam e dormiam que nem anjinhos!

Em uma de suas passagens, que pra mim é a mais linda e acalentadora de todas, o autor fala sobre os pássaros. Ele diz que o passarinho não guarda comida pro dia seguinte, que ele não se preocupa com isso, mas que Deus não deixa de fazer com que ele chegue até seu alimento. E aí entra a parte mais bonita. Ele diz: "Se Deus não deixa faltar comida a um passarinho, o que dirá a um filho seu".

Durante muitos anos, nos quais eu não sabia como pagar todas as minhas contas apesar do meu trabalho, e acordava sobressaltada no meio da noite, com o coração disparado e não conseguia mais dormir pensando nisso,essa frase batia forte dentro de mim, e eu adormecia.

Graças a Deus até hoje consegui sustentar a mim e às minhas filhas. SEMPRE tive ajuda de amigos que foram verdadeiros anjos mandados por Deus e que acompanharam essa minha trajetória de vida profissional aos 40, torcendo muito por mim!
Mas eu sempre me lembrei desse trecho do Evangelho. Primeiro porque eu amo passarinhos desde pequena, e segundo porque eu acredito muito nisso.

Por exemplo: o Xeloda que consegui angariar (aquele remédio que a caixa com 120 cápsulas custa R$2.460,00- preço atualizado)não ia dar pra completar o 1o. ciclo, no qual durante 14 dias tomo 3.500mg; ou seja 7 comprimidos. É claro que eu precisaria de patrocínio pra comprar a caixa, já que o plano de saúde não fornece o remédio por ser tomado via oral, e pelo SUS o processo leva por volta de 1 mês.

Pensa que eu me desesperei?? Não!

Olhei pra cima e falei: "Eu sei que o Sr. vai dar um jeito dessa medicação chegar, já que eu sou um passarinho tão fofo"!!
Dito e feito: o pai das meninas foi o patrocinador da vez!! Não só foi até a empresa que vende a medicação, como fez um delivery rápido com direito aos biscoitinhos de chocolate que ele sabe que eu amo, só pra dar uma adoçada no tratamento!!

Tem uma frase que correu a internet durante um tempo e que fala que a gente precisa cuidar do jardim pra que as borboletas possam vir.
Eu não sei de onde raios dá pra tirar borboletas em plena São Paulo, mas a intenção é das melhores! Assim, como eu amo ouvir o canto dos passarinhos, mas com essa onda de politicamente correta (com a qual eu concordo....calma!!) comprar um deles e deixar na gaiola podia ser arriscado demais, resolvi cuidar do jardim pra que eles viessem, mesmo que morando no 19o. andar!!

Coloco todos os dias na minha varanda, um pratinho com frutas: banana, mamão, caqui...tudo molinho, conforme me ensinou minha filha caiçara!!
Tenho agora o canto dos passarinhos na minha varanda alegrando meu dia, e eles em contrapartida, o alimento que Deus de um jeito ou de outro fez chegar até eles!

A gente só não pode esquecer de fazer a nossa parte que Ele faz a dele. Como diz um provérbio árabe que eu amo:
"Acredite em Alá, mas amarre seu camelo!!"

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O poder do tempo

Apesar de já estar vivendo essa vida quimioterápica há 1 ano, parece que foi ontem que tudo começou. Lembro bem da cara do Dr. Antonio Couceiro no São Luiz, me falando nas entrelinhas do seu discurso sobre a gravidade do meu câncer e da metástase no pulmão. Sabíamos que estava atrasada pra briga, mas isso jamais quis dizer que deixaria de lutar.

Abrir um exame de Ressonância Magnética é sempre um momento muito delicado, não se sabe que tipo de monstro vai sair daquele laudo. O que ele vai fazer com a minha vida, em que estado vai me deixar. Até o envelope ser aberto dá uma sensação bem desagradável, daqueles piririrs que parecem que vão te levar correndo pro banheiro, sabe?!

Continuo agradecendo a horde de santos e anjos que conheço por estar nas mãos do Dr. Guilherme Stelko nessas horas. Por pior que seja, ele está lá pra me acolher, me dar uma outra alternativa, pra me ajudar a digerir.
Pois é....dessa vez foi pior sim!
Beeeeem pior!

Fui à consulta com a Jessie e a Pamela, e aquele envelope do exame que pesava um mundo inteiro.
Assim que fomos sentando e ele abrindo o envelope, me disse já ter falado com a minha radiologista, mas que ia dar uma confirmada no que já sabia. Fiquei quieta esperando o veredito. Lá veio ele:

- o tumor do fígado aumentou 40%. Ele foi de 9,1 para 13,6cm (isso é quase um mamão papaya), vamos ter que mudar a medicação;
- os linfonodos do pulmão aumentaram um pouquinho em tamanho e em volume;
- existem mais 2 linfonodos na coluna, na L4 e na L5.

Quando ele acabou de falar tive a sensação de ter saído do corpo, da sala, do país, do planeta e ter voltado numa fração de segundo. Não era verdade, não podia ser, como ele aumentou desse jeito e eu tô me sentindo tão bem??
Daqui a pouco ele vai ocupar meu fígado todo e eu não vou ter o que fazer?!!!
Que velocidade de crescimento é essa, que de um dia pro outro ele cresce 40%?! Mas e o que tava necrosado??
Nós vamos mudar de tratamento de novo, daqui a bem pouco tempo não vai mais ter nada pra me dar??
O que eu faço agora???

Eu estava fora do corpo, aquela notícia me pegou absolutamente desprevenida. Imaginei que os linfonodos do pulmão tinham aumentado, contei com o do fígado necrosado(que me deu a febre que me levou ao hospital) e só, nem lembrava da coluna.

O que me mata é que na maioria dos dias eu estou me sentindo bem!! Animada!! Feliz!! Tenho dor na coxa, dou umas vomitadinhas, às vezes não durmo direito, um dia ou outro fico em estado febril, dou umas desanimadinhas, mas daí a olhar na minha cara e dizer pra mim mesma que eu piorei é demais. E piorei bem, convenhamos!!

O Dr. Guilherme percebeu meu consternamento e me disse que eu voltaria a tomar o Xeloda, aquele remédio que a Dra F. me deu antes de eu mudar de médico e de clínica, e que a caixa custava R$2.000,. Por ser ministrado oralmente o plano de saúde não o fornece, pois entende que você não precisa ir á clínica pra aplicar.
Ele me disse que tinha umas cápsulas sobrando, e eu também tinha algumas da vez em que tomei em julho. Quem sabe juntando tudo, daria pra fazer parte de um ciclo.

A Jessie se encolheu e tentou não chorar, a Pamela foi logo perguntando do tumor que estava necrosado. Ele explicou que mesmo com necrose, parte dele ainda estava ativa, por isso o aumento.
Ele falou que não íamos fazer nada sobre os linfonodos da coluna, mesmo porque eu precisaria parar a quimio pra fazer a radio e isso não era nesse momento a grande emergência. Assim, quando começar a doer, a gente cuida.
Os do pulmão vão reagir com a quimio, então não precisamos nos preocupar.

O próprio médico estava triste, sua voz era mais suave que o normal. Ele olhou pra mim e me perguntou como eu estava me sentindo.
Eu respondi: "Ótima!! Eu me sinto bem, feliz, tranquila, claro que com dor, vômito etc, mas eu tô bem. Não entendo como isso foi acontecer...."

Como dizia a vovó Maria: "Por fora bela viola, por dentro pão bolorento".

Eu tinha me programado pra ouvir isso lá pra julho. Não em pleno fevereiro. Mas vamos lá, é o que temos pro momento.

Fiquei um lixo na 6af. e no sábado. O pó da rabiola. Um caco. Um fio de mim mesma.
Falei com a Stéphie que da sua maneira absorveu e processou a notícia. Ela estava na praia, ainda bem! É mais fácil incorporar o espírito quando o mar está na mira dos seus olhos!
A Pamela ficou bem, ela parecia estar mais inteira que nós duas, ela é muito tranquila e nessas horas sua calma fez uma boa diferença.
Conversei com a Jessie no sábado, nós 2 aqui em casa, fechadas na caverna, digerindo....

Falei pra ela que agora vamos apagar incêndio e que como disse o Dr. Guilherme, fazer de tudo pra manter a minha qualidade de vida. Isso é fundamental.

Eu não sei por quanto tempo essa brincadeira vai rolar. Às vezes eu me sinto num ringue com o Mike Tyson, na época em que ele tava meiolouco e comia a orelha de seus adversários. Ele vai me bater, com certeza, mas eu não vou sair daquele quadrado! Nem a pau!

O tempo ficou curto, eu queria poder fazer tanta coisa, ensinar e dividir tanta coisa com as minhas filhas e meus sobrinhos, poder rir e me divertir com os meus amigos e minha família. Mas parece que não vai dar. E eu não quero fazer drama sobre isso. eu me recuso, isso é desgastante, irritante e paralizante. e cá entre nós, não combina comigo.
Tenho menos tempo? Então dá licença que eu vou aproveitá-lo rindo e me divertindo e curtindo o que a vida puder me trazer!!

O tempo que eu tiver é meu, e eu pretendo usá-lo da melhor maneira possível!!

Eu sei que o tumor é agressivo, mas ele não tem a mais pálida idéia de como eu sou teimosa!!
De uma coisa eu tenho certeza:a briga vai ser boa!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Quando o inesperado "faz parte"

Sempre fui uma pessoa com horário pra tudo. Pra acordar, correr, ir trabalhar, comer. Isso que a maioria das pessoas abomina e que chamam de rotina sempre me deu segurança, a certeza do que vinha pela frente, do que tinha de fazer e de pra onde devia ir.
Só que as coisas mudaram um pouco. Aliás mudaram muito! Lembro que no começo dessa jornada (vamos chamar de jornada, pra que eu possa manter a minha classe!!) bradei aos quatro ventos que o câncer não ia ser o centro da minha vida.
Lêdo engano....não tem como não ser.
De repente vc é uma cabeça separada do seu próprio corpo, ele adquire vida própria e te diz o que fazer, pra onde ir, mas não o que vem pela frente!

E foi assim que na 5af. da semana retrasada, estava eu na minha vida zen budista, quando comecei a sentir frio. Mãos geladas, pés gelados e corpo quente....lá vem mais uma febre.

Quando eu me "tratava"(ha ha ha)com a Dra F. e tinha essas febres de final de tarde (tipo bebezinho) não podia acioná-la, já que não tinha seu celular ou qualquer outra maneira de falar com ela, aliás quando eu contava que tive febre ela não dava muita bola.
Graças a Deus, tenho o Ricky, que era quem me falava o que tomar e se colocava em alerta caso a coisa piorasse. Ele foi se informar com seus amigos oncologistas e me disse: "MV, essa febre é seu corpo lutando contra a doença!"

Tomava uma novalgina, e como que por encanto a febre ia embora (pro meu Pai tudo se curava com novalgina, de dor de dente à dor de barriga). Só que agora, meu médico não permite que eu não o avise sobre as minhas febrinhas. Já contei que as enfermeiras da clínica quase me bateram a 1a. vez que eu tive febre porque eu não tinha avisado. Agora, toda vez que fico febril, ligo pro telefone de emergência da equipe da qual o Dr. Guilherme faz parte, e o médico de plantão me diz o que fazer.
O dr. Gui diz que o paciente oncológico não pode ter febre, isso pode ser sinal de infecção, ou de algo pior que pode progredir em horas e dependendo do caso (num extremo, tá?)até matar!

Muito a contra gosto tive que me acostumar com essa regra , porque eu odeeeeio ligar pra médico. Faço o que precisar pra evitar isso. Quer dizer....fazia!!

Foi o Dr. Cristiano quem atendeu. Falou pra eu tomar uma novalgina, se a febre não cedesse era pra ligar imediatamente pra ele.
Deu tudo certo....até a tarde da 6af.

Liguei de novo e ele muito calmamente me mandou ir pro HCor : "Quero te ver, vamos descobrir de onde é essa febre, vai precisar de internação!"
Quase respondi: "Mas eu não quero te ver, tá o maior frio, são quase 18hs, quero ver TV, ou seja, não quero ir ao hospital de novo!!!!

Ele percebeu que sua solução não tinha me agradado nem um pouco. Não fui grossa (não deixo o salto de lado!), mas fui tão seca que até eu me assustei.
Na minha 1a. internação, avisei as meninas que isso poderia acontecer mais vezes, que a gente não tem como prever o que vem pela frente, e que acima de tudo tínhamos que entender que se o médico me manda ficar lá, um bom motivo ele tem!" Mas é horrível ficar hospitalizada.

Liguei pro Alex, que logo veio pra me levar. Quando estávamos no P.A. o chefe da equipe,o Dr. Cid e o Dr. Cristiano vieram me ver, meu médico estava viajando a trabalho: "Vamos fazer alguns exames (=internação) pra ver o porquê dessa febre. Paciente oncológico e febre não podem andar juntos!!".
Pronto, meu decreto de prisão estava lançado.

Como não tinha lugar no andar da oncologia, fui para no quarto 911. Sugestivo, né?
Lá vem agulha, soro, antibiótico, exame de urina, tomografia de tórax, tomografia de abdomen e pelve, hemograma e o caramba a quatro.
Dormir? Claro, de 2 em 2hs, não tá bom?!
No dia seguinte fui transferida pro andar do clube de cancerosos!

E adivinha o que encontraram depois de me revirarem do avesso??
Nada!

Em uma das visitas, outro médico da equipe, o Dr. Ariel passou pra me ver. Ele disse que não se sabe porquê, mas pacientes com câncer de fígado costumam apresentar no final da tarde uma febre que do jeito que veio, vai!
No sábado voltei pra casa, eles me deram um antibiótico e disseram que poderia ser uma infecção, mas que o remédio cumpriria sua função.

Não quis avisar todo mundo da internação, acho chato. Isso vai ser a minha vida, e ninguém precisa se despencar até o HCor pra saber de mim!

Eis que minha alegria durou pouco. Na 2af. como de costume, a febre voltou. Só que dessa vez era de 39.4. Sou muito tranquila com essa questão de febre (em mim, porque nas meninas fico tensa) não costumo cair.

Toca ligar pro Alex de novo, e lá vamos nós. Vira daqui, revira de lá, fura o catéter (santo catéter, nessas horas eu o AMO!!)e de novo.....nada!

Todos os exames deram negativo e a única coisa que se viu, foi uma massa de linfonodos sobre o meu fígado que estava toda necrosada, e que poderia ser essa a causa da febre.
Se isso é bom? É ótimo!! Alguma coisa tá acontecendo lá dentro!! Meus soldadinhos estão lutando, olha que máximo!!
Fiquei mais 2 dias. Saí mais gorda (só 5kg!), cansada da rotina do hospital, mas muito feliz por causa da bola necrosada!

O Dr. Guilherme foi quem veio me dar a alta dessa vez. Ele me disse que não faríamos a quimio que estava programada pro dia 03/02. Ele queria comparar os exames que tinha feito no hospital com os que fiz em outubro.

Quanto exame eu tenho!! Eu odeeeeio guardar coisas, acho que o que não se usa tem mais é que cair fora. Sou temida e odiada por isso aqui em casa. Aliás, se alguém ficar sem se mexer muito tempo perto de mim eu jogo fora tb!!

Separei os exames e fui na 2af. de manhã com a Silvia e a Regina pra tal comparação.Não deu pra levar só uma, elas decidem que vão e eu que cale a minha boca!!
Eis que o inesperado dá as caras de novo: " Valéria eu não estou preocupado com seu fígado, mas sim com seu pulmão. Ele apresentou mais linfonodos e os que estavam lá cresceram. Quero que vc faça uma Ressonância Magnética pra que a gente possa ter uma comparação mais precisa. Como houve aumento do tumor, vamos ter que mudar o tratamento. Vamos usar o Xeloda (aquele remédio que a dra F. me deu, que custa R$2.000 e que eu acho foi o que me deu aquelas dores de estômago terríveis que só paravam quando eu vomitava) e o XPTO do caramba a 4(não sei o nome direito), tudo bem?!"

Tudo bem....faz parte, não faz?! Quem mandou ter metástase?! Agora guenta!

Nesse dia, todos os pacientes da sala de espera estavam usando bengala, parecia o dia internacional do Bengaleiro!! Eu decidi não usar mais a minha bengala, é claro que ela me dá mais segurança e mais firmeza pra andar, mas ela tb me dá uma dor no ombro muito chata, já tenho a da perna que diminuiu mas não sumiu. Sem contar com o fato de que me sinto ainda mais doente. Tô tentando, vamos ver se dá certo, senão é claro, eu sucumbo e volto a ser bengaleira!

Liguei pro Cura, laboratório onde faço meus exames de imagem e só tinha horário de madrugada. Fica aberto pra RM 24hs, olha isso!!
Dane-se. temos pressa, estou sem quimio desde o dia 13/01, quero levar esses exames pra ele na 6af. pra ver o que vamos fazer.
Marquei pras 2hs da manhã. Fui com a Stéphie, que quis me matar quando ao chegarmos a atendente avisou que tinha um atraso de 35 min. por causa de uma queda de força que fez com que a máquina tivesse que ser ligada novamente!

"Vc com essa sua mania de pontualidade..." , ouvi da minha filha animadíssima com a programação noturna!
Saímos de lá às 4 da manhã, depois de ficar naquele sarcófago sem ar, ouvindo aqueles BIBIBI ZZZZZZ dentro do meu cérebro,respirando e segurando a respiração por mais de 1min ao comando do moço da cabine,segurar a dor dos braços que devem ficar acima da cabeça e fechar bem as pernas porque a enfermeira teve que introduzir as 5 seringas de gel pro exame pélvico...glamour total!!

Mas tudo bem, tá valendo. Afinal, o limbo esse lugar em que vc fica com a tensão e não com a informação não combina comigo!! Quero esse resultado o quanto antes.
Na 6af. volto no dr. Guilherme com a RM pra saber o que vamos fazer. Quer dizer, ele vai fazer, eu vou passar!!

Cada mergulho é um flash, e o que me interessa é sair viva de cada um deles. Cansa, esgota, desanima, mas tudo isso cabe dentro da minha vida hoje.
Única e exclusivamente, porque o inesperado faz parte....e eu nunca sei como meu dia vai terminar!

Esqueci de falar uma coisa importante. Fiquei anêmica e precisei de transfusão de sangue em uma dessas internações. Foi quase um litro.

Doar sangue leva 15 minutos. Ajuda 4 pessoas, já que seus componentes são separados. No HCor (Rua Eliseu Guilherme, 123)além de receber o lanchinho, tem abono de estacionamento.
São 4 pessoas! Quatro!

Doar órgãos ajuda 10 pessoas se todos os órgãos estiverem em bom estado. Duvido que o doador volte a usar algum deles.
Não custa nada
São 10 pessoas! Dez!

Pense nisso....nunca se sabe se um dia é a gente que vai precisar, né?!