segunda-feira, 30 de maio de 2011

Don't try to kill my buzz

Quando descobri que tinha câncer, me senti traída pelo meu corpo.é como cuidar de um cachorrinho desde que ele é pequeno, com todo amor e carinho, e de repente, ele te dar uma mordida no meio da cara e deformar seu rosto.

Cheguei à infeliz conclusão de que a minha médica, Dra F, tem como princípio, "cortar o barato" de seus pacientes.
Na 4af. passada, fui com a Silvia e a Regina na quimio. Foi divertidíssimo, da hora em que a gente se encontrou no carro, até a hora de se despedir. Amigas de 30 anos,fomos aos nossos casamentos, vimos filhos nascerem, divórcios acontecerem, pais falecerem e as rugas chegarem. Pra vc ter uma idéia, a Silvia é minha amiga da faculdade de Psicologia, ela namorou o Marcelo, irmão da Regina, que se casou com o Ricky (my Doc), amigo do Neto, marido da Silvia. De quebra, ela ainda me apresentou o Marcelo, com quem casei e tive as meninas.Pra todos os efeitos, eu e a Regina, sabemos bem em quem pôr a culpa quando nos pergutam porque casamos com eles rssss

Já fiz muita coisa desagradável na vida, mas nada se compara a uma sessão de quimio.
Mentira, ela é pior depois de passar em consulta com a Dra F!!
Vou mostrar o porquê pra vc não achar que é implicância minha. Nessa consulta, levei o resultado da tomografia (aquela na qual eu botei os bofes pra fora no meio do exame) pra ela poder dar seu parecer. A Silvia e a Regina, estavam sentadas na cadeira ao lado torcendo pra que o resultado fosse bom, dava pra tocar a já preparada alegria delas.

Aí, a Dra F olhou, leu, leu, olhou e falou:- É, tá igual. E eu: "Igual a que, a última ou a de janeiro???" Convenhamos, deve ter uma baita diferença nessas tomos, TEM QUE TER!!!

E ela: "Olha, tem um aumento de necroses aqui, mas o tamanho dos linfonódolos está igual ao de janeiro, ele não mudou.Tá vendo essas bolas escuras aqui (claaaro que tô vendo tuuudo), então eles já estavam aqui, não teve mudança".

Visto o contagiante humor da Dra F, minhas amigas até então encolhidas na cadeira, começaram a bradar incessantemente: "Ah, então é bom, tem necroses, algumas morreram, tá melhorando!!!"; e a Dra F: "Veja bem, isso não quer dizer que está melhorando, mas que está estável. Sabe, esse câncer é muito encardido, teria sido melhor se fosse outro"

Woooww!! Pera aí!! Se fosse outro??

E desde fu$%#ing quando a gente pode escolher o tipo de câncer que vai ter?? Cadê a fila???? E estar cheias de bolas mortas na barriga não quer dizer nada??? NADA??? Veja como vc se sente com a palavra necrose junto à sua barriga e me diga que daí não sai nada de bom!! Vai, Dra F@#$%îng Freaking F!!

E Encardido????? Como assim?? Eu sou pobre mas sou limpinha!!!!!! Que absurdo é esse???Ele é encardido?? E a Sra, é o que, então???

Imagine a cena: a Silvia e a Regina estavam pulando Carnaval enquanto a Dra F tocava a marcha fúnebre. As 2 falavam juntas sobre o quão positivo foi a doença ter parado de crescer e minha barriga estar cheia de necroses e a outra nem olhava na cara delas, e continuava dizendo que não dá pra afirmar que o tratamento tem sido bom, e que íamos ter que reavaliar a medicação depois do 8o. ciclo, já que pra esse tipo de câncer (encardido) só temos 6 linhas de tratamento. Ele não tem uma resposta brilhante, eu não esperava isso, ela me disse (e as 2 lá, desesperadas com o confete e a serpentina na mão pra comemorar as bolinhas mortas!).
Daí eu perguntei se por conta disso não tem cura, e ela disse que sim. Perguntei quanto tempo meu corpo vai aguentar fazer quimio, e ela disse não saber, que isso eu ia dizer, mas que eu aguento bem, sou forte (!!).

Quando saímos de lá, a Regina confessou não ter ido muito com a cara da médica, ela é seca, fria. A Silvia, mais cordata, tentando pôr panos quentes, dizia que não, e mudava o assunto pra morte das bolinhas assassinas.

A empolgação das meninas e da minha mãe foi um capítulo à parte. A Jessie ligou pra mim, pra Regina e pra Silvia umas 30 vezes pra confirmar o que a médica disse, a Stéphie ligou pra Pammy e pro Dódi (meus sobrinhos) pra virem em casa, ela ia fazer um macarrão pra comemorar.E fizeram os 4 a maior festa, eu e minha mãe deixamos os 4 na cozinha preparando o jantar e fomos tomar banho! Teve até brinde com Coca Cola e Mid Sugar de laranja!

Não tive coragem de dizer que em janeiro tb tinha necroses, e que talvez aquilo nem fosse tão bom sinal. Estavam todos tão empolgados com uma única boa notícia, não quis kill the buzz
. Entrei na onda e comemorei, tinha que ter algo bom nessa história toda. TEM que ter algo bom em algum momento.

Hoje fui no Ricky, levei os exames pra ele ver. Olhou daqui, olhou dali, ligou pro Sabbaga e pro médico do laboratório onde fiz o exame.
Resultado final: o fato da doença não ter avançado por si só é mais do que positivo,e pra mim hoje é uma esperança. O Ricky disse que esse tumor é muito agressivo e cresce rápido, e ele está estável. ISSO É BOM!! Volto no Sabbaga antes do 8o.ciclo acabar, pra ele me ver e dizer pa f$%^&ing Dra F o que fazer comigo.

Posso não me curar, mas ninguém por mais CRM que tenha, tem o direito de me tirar a esperança de ver minhas filhas se formarem, meus sobrinhos crescerem, minha vida acontecer. Não sei até que ponto meu corpo aguenta, mas rezo todo dia a alguém muito maior pra que me dê força pra não desistir, é só o que eu preciso! Ele nunca me deixou na mão, porque me deixria agora??

NO one has the right to kill my buzz, not now, not ever!!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Ação e reação

O tratamento de quimioterapia é feito por ciclos definidos pelo médico logo no começo. O meu ciclo é de 2 semanas seguidas de quimio, e 1 sem quimio ( a qual chamo de semana de alforria). Faço dia 25 a 9a. quimio, parte do meu 5o.ciclo. Nessa altura do processo, meu corpo já está bem cheinho de medicação,e por ela ser cumulativa ( ou seja, a medicação se acumula no organismo, ela não é eliminada)tenho tido os vômitos, coisa que até então não aconteciam. Por isso meu cansaço aumentou, meu ritmo não é mais o mesmo e acho que até meu cérebro deu uma desparafusada. Sério, hoje fui atravessar a rua com a Jessie, o farol estava verde pros carros e eu fui indo,ela me segurou e ficamos discutindo. Eu dizia: Mas tá verde, e ela: É, pros carros mãe!! Ah....então tá! Essa é uma das que eu tenho passado. Meus amigos mais cruéis vão dizer que é a idade,que eu sempre fui meio lesada, mas não é verdade....

Até a semana passada eu ficava tão feliz com a semana de alforria, porque só o que eu tinha a fazer é uma tomografia pra que a Dra. F acompanhe como estão as bolinhas assassinas. Mas isso foi até a semana passada.

Tenho ido na quimio com algumas pessoas variadas, mas uma constante é minha amiga Silvia, amiga da faculdade de Psicologia, Amiga com A maiúsculo há 30 anos, que me faz "lanchinho" pra quimio e quando não me leva passa em casa pra me deixar a merenda.
Tínhamos combinado que ela me levaria nessa tomo (na outra fui informada quando cheguei que deveria ter levado acompanhante, aí chamei minha Mãe, e foi bom pq passei meio mal). O único horário que tinha era o das 7 da manhã, teria que chegar no Laboratório às 6hs. Sem problemas! Perguntei se deveria levar alguém e me disseram que não era necessário.
Na última consulta com a Dra. F ela disse que nessa tomo não haveria contraste pra beber, pois sabíamos que meu intestino estava bem. A pata aqui acreditou. A Silvia ainda me falou: "Qualquer coisa vc me liga e eu vou pra lá correndo!!". MAs afinal, o que ia acontecer se o contraste era só na veia?

Pra quem não sabe como funciona uma tomografia com contraste, lá vai a minha explicação de paciente: Quando vai ser pela veia, eles colocam um acesso, pra introduzir o contraste no final do exame veia adentro. Quando é via oral, vc tem que tomar uma jarra de um suco Tang de gosto absolutamente duvidoso e intragável, que provoca umas reações intestinais nada agradáveis o resto do dia.

Cheguei no Laboratório às 6hs, pontualmente. Logo chegou a enfermeira com a fatídica jarra. Olhei na cara dela com aquela minha cara de "cê tá me tirando???" , e disse: "mas não era pra tomar contraste dessa vez". Ao que ela respondeu mostrando a guia médica de que era sim, via oral e intravenosa. Ah e tome 2 copos logo de cara (acho que pra ver se pega no tranco....pegou!). Em menos de 2 minutos eu estava curvada no vaso sanitário golfando os copinhos do então "suco de uva"
. Ela me sugeriu que tomasse mais devagar, a cada 10 minutos. Pensei com meus botões: Esse exame é pra sempre! Mas como sou uma moça bem comportada lá fui eu, tentando na medida do possível controlar (hahahaha) minha ânsia. Fomos pra sala de preparo, vesti aquela roupa ridícula, sentei na cadeira e a enfermeira (toda arrumada e pintada às 6 da matina), me disse que ia "introduzir uma agulha um pouco calibrosa".

WHAT??? Um pouco my ass!!! De onde tiraram essa agulha de tricô pra INTRODUZIR seja lá o que for.

Mas como nem tudo tá tão ruim que não pode piorar, a fofa não achava minha F@#$%^ing veia. E se prontificou a chafurdar dentro de mim, com a agulha calibrosa procurando o resto da minha veia! "Aí dentro ca$%^ho!!", quase gritei!

Lembra que eu sou uma lady?? Claro, que eu não falei o que pensei. Ao contrário, cobri minha boca com a mão, fechei os olhos e pedi a Deus que ela achasse a veia, e pensava que só podia ser efeito da quimio, pois nunca tive problema com isso. Chorei muito, a dor era aguda e ela não achava a veia, outra enfermeira chegou. Elas passavam a agulha de um lado pro outro e nada.... Até que surgiu uma 3a. enfermeira, tirou a agulha, me deitou e pediu que eu me acalmasse. Não conseguia parar de chorar. Não só pela dor, que não era pequena, mas pelo todo.

Vai ser sempre assim?? Tô sem veias?? Mas eu só fiz 2 quimios em cada braço!! Por que meu corpo se mostrou tão fraco quando eu mais precisava da força dele?? Não sou uma mulher mignon, sou grandinha, forte e suporto bem a dor...o que aconteceu com aquela Lela?

Quando finalmente essa enfermeira colocou o acesso, me pediram pra entrar na sala onde fica o aparelho. A enfermeira maquiada, me colocou outro copo de suco e disse que eu teria que beber antes de entrar na sala. Olhei pra cara dela com aquela expressão de "juro que desço do salto e te meto a mão na cara" e falei com meus olhos armênios BEM arregalados: Se eu tomar, eu vomito!
Devo ter assustado bem a pessoa, pq ela colocou silenciosamente o copo na bancada e me acompanhou sala adentro. Devia estar uns 15 graus, eu congelei.
Esse aparelho não é o do túnel,aquele é da ressonância Magnética, ele é vasado o que dá uma sensação menos pior.

O exame estava indo bem, até que alguém veio "introduzir" o contraste na veia. A sensação é de que estão colocando fogo no seu corpo. Mas quando chega na boca, é pior, um amargor tomou conta dela, meu estômago começou a doer.Percebi que ia vomitar, do peito pra baixo estava dentro do aparelho, comecei a simular que estava batendo a mão no aparelho pra avisar que tinha algo errado. Quando eles chegaram só deu tempo de afastar a enfermeira. A jarra do suquinho de uva jorrou incontrolavelmente.
Eu golfava. Quando me dei conta tinha 5 pessoas ao meu redor. Só ouvi um médico dizendo pra me deitar pra aproveitar o contraste, senão ia ter que fazer de novo.
Era tudo o que eu não queria....fazer de novo, passar por aquilo de novo agora?? Será que eu sou tão ruim assim??

Levei um tempo pra ser liberada. Me deram café da manhã, mediram minha pressão e só depois que a cor tinha voltado na minha cara, pude ir pra casa.
Voltei dirigindo. Rezando pra conseguir chegar e chegar logo. Não via a hora de deitar na minha cama, ficar perto da minha Mãe e das minhas filhas.

Ah! Minha Mãe quebrou a clavícula há 3 semanas e está aqui comigo. Vai ficar até melhorar de vez. Deus me deu um trabalho e uma benção ao mesmo tempo. Ter minha Mãe comigo, nesse momento de fragilidade é um alívio! Acho que vou quebrar o braço dela, quem sabe acaba ficando mais tempo, pelo menos até esse tratamento acabar!
Se é que um dia acaba!! Não vejo a hora...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O tempo de cada um

Não uso mais relógio, sempre gostei do acessório, tenho alguns da mesma marca que só mudam a cor de fundo e da pulseira (sou capricorniana, quando gostamos de algo é de verdade). O tempo ficou diferente pra mim. Não conto mais as horas, agora conto os meses que faltam pra acabar a quimio. Imagino que sejam uns 3....será? Já fiz 8 quimios...ou só 8?? Helllooou Dra F!!! Dava pra help me here??

Estou tendo os sintomas clássicos. Enjoos, vômitos, cansaço, pele amarela ...estranho não vejo mais viço no meu rosto. Não tem hora, nem lugar: sinto a garganta travando, a coisa sobe goela acima e ploft! Lá vou eu correndo pro banheiro.
Pra tentar evitar tomo Coca-Cola, soube que quando ela foi criada era um xarope que tinha como finalidade evitar enjoo. Funciona ou, ajuda pelo menos! Sempre odiei Coca, agora tomo sem fazer careta.

O catéter incomoda, é feio e me dá a impressão de estar sendo invadida por um alienígena. Mas adoro quando no dia seguinte da quimio acordo e mexo os braços sem o menor problema. Num casamento sábado agora, me apertaram tanto que fiquei com dor nele....não dá pra no auge do abraço do outro falar: "Ai, cuidado com meu monstrinho!!"

Ônus e bônus, a vida é feita deles.

Ao longo desses meses, sinto que entrei num estado de fragilidade que até então desconhecia. Nunca gostei de ser fraca, aquela coisa de mulherzinha chorosa me dava arrepios!! Gosto de ser forte, de dar conta de tudo, de não precisar pedir nada pra ninguém. Venho de uma família de pessoas fortes, lá em casa só minha Mãe era fraquinha. Até que perdemos meu Pai e percebemos a fortaleza que ela sempre foi.

Estou numa onda de casamentos fantástica (todo mundo resolveu casar!)! Quando fui a um deles, num sítio muito lindo, estava conversando com o marido de uma amiga,o Chico. Estava de salto (no meio do mato ou não, é inadmissível não ir de salto a um casório)e me desequilibrei sem querer na grama. Ele estava ao meu lado e me ofereceu o braço. Foi super cavalheiro, e naquele ato eu percebi que eu, que tantos anos andei sozinha, precisava agora de braços me amparando.

E que diferença esses braços fazem!

Uma de minhas filhas tem amigos muito próximos e queridos, mas um ou outro, ainda não conseguiram chegar perto de mim, e isto a aborrece.
Não sei bem pq...eu mesma tenho algumas pessoas que se afastaram. É muito pesado pra alguns. Isso não quer dizer que eles não pensem em mim, ou não se importem com a minha atual condição. Isso quer dizer que eles não são, ou estão, tão fortes pra me encarar.

É simples, mas todo mundo tem seu tempo.E respeitar isso nesse momento da minha vida, believe me...é um aprendizado!!

Às vezes eu tenho saudades de quem eu fui. Do meu dia-a-dia, da minha correria, da minha falta de tempo. Daí me lembro do que a Marta (taróloga) me disse uma vez: "Você vem esses anos numa batida de sobrevivência".

Yeap! É isso mesmo.

Não parava pra pensar se daria pra fazer, fazia o que tinha que ser feito.
Não parava pra olhar como eu estava ficando por dentro, porque isso tomava tempo e energia e meu foco era sobreviver.
Não parava pra olhar pro futuro, o presente estava lá urrando pela minha atenção.
Agora, meu tempo é outro. Ele é quieto, lento, moroso.

Eu espero os meses passarem e fico imaginando como vai ser no Natal, no meu aniversário, no Revéillon....numa época longe do que eu vivo hoje, na qual eu pretendo estar bem e feliz.

Atualmente presto atenção no que sinto e no que penso,e respeito o limite do meu corpo como nunca respeitei.

Hoje fui ao velório do pai de uma amiga. Não me venha com mas não é bom pra vc, vc não está em condições,eu sei a diferença que faz um abraço nessas horas.

Quando a morte ou a possibilidade dela, bate à nossa porta, tudo muda.
Obrigatoriamente paramos pra analisar ganhos e perdas, nossa vida, nossos relacionamentos.
Ficamos frágeis, perdidos, atônitos com a possibilidade de tudo acabar num passe de mágica.

A dor da perda de um parente é devastadora. O buraco que ele deixa ao partir não diminui nunca....a gente é que fica mais forte quando olha pra ele depois de um tempo.

A Bia, uma amiga da Stéphanie está com o pai doente. Ele tem câncer na medula e ainda não encontraram uma medula compatível pra ele.Ela mandou um e-mail pedindo ajuda pros amigos. A Stéphie conseguiu mobilizar a faculdade pra fazer uma campanha de doação. Mas o tempo urge e ele precisa de ajuda (doações na Santa Casa por favor). A fragilidade daquela filha, pedindo ajuda para o pai no e-mail, foi dilacerante...nenhum filho deveria passar pelo medo da perda.

Outra amiga dela, a Lis, perdeu o avô. Mas aí vc pensa: "Ah, ele já tinha idade, já viveu muito!".Será? Pergunte à família o que eles acham dessa linha de raciocínio!

Quem define nosso tempo?
A vida que a gente leva, o que a gente come, o que a gente sente??
Quanto tempo é tempo suficiente?
Quanto afinal é o tempo de cada um?
Até que ponto a vida tem que parar a gente, quando a gente não consegue parar sozinho?