quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A ditadura da beleza

Era uma vez um monge budista que estava ensinando a seu discípulo algumas coisas da vida. Um belo dia, ele abriu uma sala e lá estava uma mesa com uma linda rosa vermelha dentro de um vaso. Ele olhou firmemente nos olhos do discípulo e disse: "Lá está um problema, pense em como fará para eliminá-lo". O pobre do menino foi até a rosa, olhou, olhou e pensou por vários dias nesse grande desafio que seu Mestre lhe impôs. Ao sétimo dia, cansado e sem ter encontrado a solução, pediu ao Mestre para mostrá-lo a solução. Seu Mestre foi até a rosa, tirou uma adaga da cintura e a decepou num único golpe.


Hoje é meu aniversário, faço 48 anos. É engraçado porque eu nunca me imaginei com essa idade. Quando a gente tem 25,30 e vê uma pessoa com uns 50, já a considera velha. Mas não é isso que acontece, a vida nessa idade é mais leve, solta e sem preconceitos. Vc sabe o que te faz bem,o que não faz, e principalmente o que não quer.

Desses 48 anos, 38 com certeza, eu vivi correndo atrás de um corpo que eu não tinha, de um cabelo que não era meu, e de uma aparência inatingível pro meu tipo físico.

Minha Mãe sempre achou que a gente não podia ser cheinha, nem eu nem minha irmã. Regime eu já fazia quando saí da barriga dela, ela não pôde me amamentar, fui criada à base de Leite Ninho. Fritura, doce, guloseimas e afins nunca estiveram presentes na nossa casa.

Eu me lembro de que na casa da vovó Elizabeth, na estante onde ficava a TV tinha uma portinha fechada à chave.
O vovô Haik (pronuncia-se Raik, no Oriente a letra H tem som de R...pausa para cultura geral) guardava essa chave no bolso como se ela fosse acionar uma bomba atômica que destruiria toda a humanidade. A porta desse armário só era aberta, quando a vovó Elizabeth achava que tinhamos nos comportado bem, comido todo o kibe, charutinho e dolmá que ela nos servia; aí podíamos escolher qual e quantos chocolates quiséssemos. Eram caixas de Alpino, Kri, Sonho de Valsa, e chicletes Ping Pong de tutti fruti e de hortelã (um sucesso pra época, era o que de melhor havia em termos de chicletes, fazia uma bola gigantesca!!). Mas claro, de preferência quando minha Mãe não estivesse presente, senão, ela avisava quantos chocolates cada uma podia comer. Obviamente eles eram rapidament devorados!

E foi nessa ditadura que eu cresci, não comia os hambúrgueres, cachorros quentes, refrigerantes que todos os meus amigos comiam, única e exclusivamente porque engordava.

Fazer excercício era mais do que uma obrigação, joguei volley, fiz jazz, ballet (chorava na aula de tanto que a odiava!!),uma ginástica alemã que deixou minha perna tão dura que minha Mãe pediu pra diminuir as aulas, natação, musculação, aeróbica,corrida, bicicleta, enfim tudo o que aparecia eu fazia!.

Nunca dei valor ao meu corpo como ele era. Nunca consegui enxergá-lo como deveria.
Minha ossatura é grande, somado aos meus 1.65 sempre foi muito difícil pesar menos de 60kg. É engraçado como um único número causa um efeito avassalador numa mulher como se por acaso ele estivesse grudado na sua testa! E tem outra, se vc mentir seu peso pra alguém, por acaso vai aparecer uma balança na sua frent pra vc se pesar?! Eu tentava feito louca emagrecer, queria pesar 58kg porque aí sim eu ia ser maravilhosa. Só que somado à minha ossatura e à minha altura, meu metabolismo sempre foi lento e só acelerava quando eu tomava remédio de regime. Hoje em dia ele não é tão bem visto, mas na época era a salvação da maioria da mulherada.

Pra piorar, sou descendente de armênio; ou seja, minha bunda já está comprometida a ser grande, ela não diminui com facilidade!! Não há ginástica que a diminua. Peito, bunda e coxas são o forte de qualquer armênia que se preze!!

Mas eu queria sempre estar mais magra, mais bonita, mais perfeita. Não pra ser a menina mais bonita entre os garotos, mas pra deixar minha Mãe feliz e meu Pai satisfeito, eles eram muito rígidos quanto a isso.
Uma vez eu estava gordinha, devia ter uns 15 anos, ele me disse no auge do seu nervosismo e no meio de uma briga que eu ia estourar que nem a Dona Redonda (personagem interpretado pela Wilsa Carla na novela das 22hs da TV Globo há muitos anos atrás. Ela subia ao céu como se fosse um balão e estourava lá em cima....uma cena no mínimo bizarra), foi a coisa mais cruel que meu Pai me disse e ficaou gravado. POr isso mesmo peço sempre a Deus que protega minhas filhas de mim, pois qualquer coisa que uma Mãe fale a sua filha fica marcado pra sempre!

Graças a Deus, conforme a gente vai crescendo algumas coisas vão perdendo o sentido e a importância.

Gosto de me arrumar, adoro uma maquiagem, fazer as unhas, estar com uma roupa bonitinha. Sou discreta no modo de me vestir, como boa capricorniana sou meio monocromática. Bege é uma das cores que mais tem no meu armário. Mas sou mulher, e como toda mulher gosto de estar bonita.

Só que agora aprendi que meu corpo é como deve ser, que um hambúrguer de vez em quando não mata apesar de não ser a melhor opção, de que um doce quando se tem vontade faz bem pro coração (e pro fígado). Deixei de viver tanta coisa por causa disso, e tomo muito cuidado pra não magoar ninguém com comentários desnecessários. Todos temos espelho e sabemos quando não estamos bem.

A aparência é só uma capa, que pode ter 1001 utilidades, mas que nunca pode ser a única coisa que você tem, pois num instante ela pode se perder de você.

Nunca fui de julgar ninguém, e nunca gostei que as pessoas olhassem pra mim e me definissem pelo dinheiro que meu Pai tinha, pelo carro que eu dirigia, ou pelo estilo de vida que eu levava. Isso não é certo, cada um é como é, e o que importa é exatamente o que a gente não vê....o que vai dentro de cada um.

Esse fim de semana, meu cabelo começou a cair. Desculpe, a despencar da minha cabeça fica melhor. Chegou uma hora em que eu resolvi não penteá-lo mais pois a quantidade de cabelo que saia na escova me apavorava. Percebi que não tinha mais jeito. Fui avisada que essa quimio podia rarear o cabelo e que na última semana eu sentiria mais esse efeito colateral.

Na 2af. depois de toda dor do fim de semana causada pelo Zometa (remédio pros ossos que dá dor nos ossos (?!!)) e de todo o monte de cabelo que caiu, liguei pra Elena, minha cabelereira oficial. Ela ligou pra Silvia e essa me ligou do Guarujá pedindo pra que eu não fizesse nada e a esperasse voltar, ela chegaria na 3af. Eu chorava tanto por me sentir esfarelar no chão do banheiro, no travesseiro, nas minhas blusas...pensava naquela imagem do paciente de câncer morrendo e não conseguia me incluir nisso, sofri o que podia e o que não devia.

Assim, me decidi. Ontem fui ao salão da Elena acompanhada por uma comitiva (Sté, Pammy, Lis e claro, a Silvia) e passamos máquina 0. Obviamente a Elena pedia pra Cidinha cabeleireira começar pela 4, depois a 2 aí eu não aguentei e falei:" Vai continuar caindo, passa a 0".

Hoje, sou uma pessoa careca com um arsenal de lenços comprados pelas minhas filhas.
Nem quando nasci fui careca, armênios tem cabelo, pêlos e afins de sobra.

É estranho...a molduraque é o cabelo se foi, pra dar espaço ao meu rosto, que até que é bonitinho apesar das rugas e das marcas que carrego ao longo dos meus 48 anos, e das quais tenho muito orgulho porque contam minha história de vida. Me sinto mais leve, mais aliviada e mais amparada ainda!

E mais certa de que se o preço da minha liberdade e do meu sossego é não ter cabelo, com uma maquininha, não com uma adaga, a gente rapidamente resolve o problema.

Parabéns pra mim e boa sorte pra vc......espero que vc se veja e se aceite como vc é,sem preconceitos, sem dogmas e sem medo. Porque pra ser feliz, não precisa ser perfeito!!



3 comentários:

  1. Ah, que pena não ter lido na data certa! Mas os desejos que seriam ontem são os mesmos de hoje e os mesmos amanhã: amigos, abraços, família, doces, presentes, pequenas e grandes coisas boas p/ enfeitar seus dias. Parabéns!!!
    Tens mesmo um rosto bonito que dá p/ ver pela pequena foto, os lenços, chapéus, peruca, ou seja o que for, serão belos realces! Beijão no seu coração. Fique bem e feliz, Lu.

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  2. Eu achei que você tá um charme total com os lenços! Lembrou o tempo que nos conhecemos ;) Ah! Achei que assim você ficou menos monocromática e mais ousada, seus anéis, brincões e rosto lindo realçaram!
    E seus conselhos sobre a perfeição são muito sábios, a gente passa uma vida lutando contra a gente e depois olha as fotos e pensa: não precisava ter sofrido tanto assim, está lá a beleza!

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  3. Lela,

    só tenho elogios a essa postagem. Como estudante de letras devo parabenizá-la pelo texto bem construído e claro. Como mulher devo agradecer pelo seu relato, me identifiquei muito com suas aflições sobre a ditadura da beleza e principalmente por medir 1,62, ter ossatura larga e, até então, acreditar que com 58kg alcançaria a satisfação comigo mesma. De verdade você não imagina o quanto fez diferença pra mim a leitura deste texto, pois desde a primeira vez que lhe vi me impressionei com a sua beleza e jamais poderia imaginar que compartilhasse desses anseios - beleza essa que estou certa ter sido ressaltada. Como ser humano devo expor minha admiração pela sua naturalidade e doçura a falar sobre tema tão pessoal e íntimo.

    Todos os agradecimentos e admiração!
    Priscilla

    PS: minha mãe sempre foi "escrava da beleza" e SEMPRE temeu explodir como a Dona Redonda! hahaha acho que isso foi trauma da geração de vcs, torçamos pra que não reprise no vale a pena ver de novo! haha!

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