segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Um dia de cada vez

Já li mais de mil vezes em tudo o que é literatura espírita, budista e religiosa, que a gente fabrica nossa doença. É! Se eu estou com câncer é porque em algum momento da minha vida fiz a opção de ter a doença, ela se desenvolveu dentro de mim e agora tenho que lidar com ela.

Bull shit!!

Adoraria saber onde raios eu estava com a cabeça pra ter desejado isso, ou em que grau minha bebedeira estava. Sim, porque só trêbada pra desejar uma coisa dessas!! Não acho que é exatamente assim. Acredito que de certa maneira o poder da mente faz com que a gente tenha um sintoma, uma doença, alguma coisa que nos impeça de cumprir algo, até mesmo por mecanismo de defesa. Agora, uma sabotagem desse nível....? Não me sinto tão poderosa assim!
E quando me falam pra meditar??
" Faça a sua mente eliminar o tumor" .....
Pera aí, acho que vc não tá entendendo do que se trata: minha memória tá tão ruim, que se vc me contar uma coisa hoje, é muito provável que amanhã pela manhã eu já tenha esquecido!! Como eu vou fazer pra meditar??

Esse último mês foi um saco. Só saí pra ir à radioterapia. A Silvia, minha irmã de alma,e a Pamela, minha sobrinha se revezavam me levando para as 20 sessões que teria que fazer. Hoje faço a 18a. A dor diminuiu muito, mas ainda está aqui.
Ainda estou tomando o corticóide, o que significa que enxergo a minha bochecha. Minha cara está deformada (algumas pessoas que tem me visto vão dizer que é exagero, mas quando vc olha pra baixo e enxerga uma montanha, olha no espelho e vê sua boca pequena e sua bochecha como a do Fofão, percebe que está mais parecida com um Boto rosa do que gostaria!!) e a dor ainda não me permitiu abandonar a bengala. Minha perna esquerda está fraca, não me sinto segura pra ir daqui de casa até o sacolão que é do meu lado, sozinha! Toda vez que saio da cama pela manhã, sinto uma cãimbra do lado esquerdo que vai da cintura até o meio do joelho e dói por 20 segundos, os mais longos da minha vida!

Na 6af. fomos ao dr Guilherme, eu e a Pamela. Dos 7 remédios que eu estava tomando, 4 eram pra dor. Ele tirou 3, e aumentou a dose do que ficou. O corticóide sai gradativamente,diminuo a dose e depois a quantidade.
Começo a quimio na 6af (a 3a. linha de tratamento, dentre as 6 que temos disponíveis pro colangiocarcinoma, esse tumor que se instalou dentro de mim e que é raro, resistente e agressivo). Faço a quimio uma semana e depois de 3 semanas a próxima.
Efeito colateral?? Ah!! Agora é que fica divertido: todos os que tive na 1a. quimio, ou seja: enjôo, náusea, vômito, fraqueza e queda de cabelo. Lá vamos nós tra vez!!

Que saco, agora que cortei meu cabelo deixando a nuca de fora, num modelito que eu nunca na minha sacrosanta vida imaginei que usaria, vou ter aquele monte de cabelo jogado no chão do banheiro, nas roupas, no travesseiro.......não sei não se não corto o que sobrou de vez. Odeio esse tipo de sofrimento, esse que faz com que vc se sinta desmoronando, se dissolvendo e não se reconhecendo.

Aliás, assim que minha cara voltar ao normal, vou pedir pra alguém tirar uma foto e vou postar no blog pras pessoas terem a real dimensão do que sou eu hoje! Não é tão assustador, mas é diferente; bem diferente dessa pessoa com cabelo e cútis de princesa!!

Um dia desses a Jessie veio me perguntar se eu achava que ia morrer. Respondi que sim, como vai você, o porteiro e o presidente! Ela foi mais específica: "Morrer do câncer, mãe!"
Não ia mentir, desde o começo disse a elas, e aí incluo meu sobrinhos que são como filhos pra mim (o João George e a Pamela, os outros 2 são pequenos e não tem que participar disso) que eu diria sempre a verdade, por pior que fosse. Antes a pior verdade, que a melhor mentira.

Expliquei à Jessie que estamos agora na 3a. linha de tratamento, que não é a mais eficaz pra esse tipo de tumor, é muito possível que ele avance mais do que a gente gostaria, e quando chegar na 6a. e última linha de tratamento, não vai mais ter remédio. Mas, enquanto existir uma gota de medicação pra eu me tratar, eu vou estar tomando e lutando pra essa bagaça morrer dentro de mim. Quando isso vai acontecer? Não sei....pode ser em 1 ano, em 3 em 5 ou em 10. Isso é com Deus, é Ele quem sabe quanto tempo cada um de nós tem por aqui.
Ela chorou disfarçadamente, conversamos mais um pouco e ela saiu. Depois de um tempinho a Stéphie veio falar comigo e eu pedi pra ela conversar com a irmã. Não sei o que falaram, mas sei que estão do meu lado e juntas, vamos fazer o que tiver de ser feito, dia após dia, com calma, fé e amor. É triste, me mata por dentro, mas infelizmente essa é a minha realidade!
A Pamela se incumbiu de perguntar pro dr. Guilherme a eficácia desse tratamento. Percebi que foi por causa da nossa conversa. Ele disse que tem gente que responde melhor a essa que à 1a., mas não temos como saber ainda. Depende de cada paciente.

Sei que os próximos meses vão ser difíceis, o processo não é fácil, mas pretendo viver um dia de cada vez, sem a menor expectativa de como vai ser o amanhã que é exatamente o que estou fazendo hoje. Não me programo pra semana, me programo pro dia e olhe lá!

Ah não! Tenho sim 2 coisas programadas que me deixam super ansiosa: vou realizar um sonho antigo de fazer o almoço do dia 25 aqui em casa com a família da minha mãe, e dia 24 repetir uma ceinha que fiz com as crianças ano passado aqui em casa.
São esses momentos que eu quero priorizar, aqueles que fazem com que eu sinta e perceba que não importa o qiue aconteça, a força, a união e a fé, vem do amor que se sente uns pelos outros.

Pra mim, isso faz a vida valer a pena...e pra você?!


3 comentários:

  1. Bom dia! Queria dizer que encontrei seu blog por acaso há uns 2 ou 3 meses, e me encanto todas as vezes que vejo um post seu. Admiro sua força, seu humor e inteligência para lidar com tudo isso. Desejo-lhe todo bem, toda felicidade e todo amor que couber em seus dias! Um grande beijo, Deus lhe abençoe! Lu

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  2. Lela,

    Vc é uma inspiração! Te admiro muito.

    Beijos,

    Milie

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  3. Obrigada por compartilhar sua garra Valéria, não é nada fácil levantar quando se quer deitar, sorrir quando quer chorar, abraçar quando se quer ser abraçada... Você está dando um grande exemplo de coragem e sabedoria.
    Espero que receba ainda mais abraços, sorrisos e carinho do que já está recebendo.
    As pessoas saudáveis não estão mais vivas que aqueles acometidos por alguma enfermidade. O dia de "partida" está nas mãos de Deus.
    Beijo
    Fabi

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